Apologia ao Professor, pesquisador e jornalista: o memorável Wilson José Lisboa Lucena

Texto produzido e apresentado pelo Acadêmico Luciano Santana Rocha,
por ocasião da Sessão Solene de homenagem póstuma, da APLACC,
realizada no dia 17 de agosto de 2019, em Penedo/Alagoas.
Homenagem Póstuma - Wilson José Lisboa Lucena

Wilson José Lisboa Lucena

É JUNHO…

(Ao imortal confrade jornalista, autodidata e pesquisador José Wilson Lucena).

Chove uma chuva de lágrimas no despedir-se da banda.

Comentarmos sorrindo aquela reunião de ontem ao telefone

não adianta mais, parceiro. Partiste .

A vida , vento fugaz,

passageira nuvem, louca aventura no oceano, às vezes de altas ondas,

de transmigração em transmigração, rumo ao Grande mar.

Partiste, é verdade, com a doce cantoria dos pássaros da hibernal madrugada,

No advento da tão-sonhada manhã.

É junho…

Como impedir o gole do vinho amargo da dor

em plena e louca e insaciável sede?

Como despedir-se, velho Netuno, da imortalidade ante o ir-e-vir

do mar da louca vida a lamber a praia?

É junho…

Se não podes mais, meu velho parceiro, veres, ouvires

“a banda passar tocando coisas d’amor”

Floriano Peixoto afora, prossegue, parceiro,

que as trombetas da aurora rumo ao Grande banquete te chamam.

Contudo, sê, meu caro amigo, pelo menos,

em meio a essa tenebrosa noite escura que ainda atravessamos,

em lágrimas, aquele “zanzinho-de-guarda” que há de apontar o dedo para o

infinito, indicando-nos a estrela-guia!

(Acadêmico Luciano Santana Rocha)

 

QUANDO A BANDA PASSA

À memória do acadêmico Wilson José Lisboa Lucena

Nos coretos, silenciam-se os últimos solfejos:

clarinetas, trombones, bombardinos, partituras

dormem agora nas estantes, histórias guardadas

em tantos escaninhos.

E assim passou a banda, finalmente, como a vida

descendo a avenida.

Ficamos, enquanto um dobrado ainda ecoa na esquina,

retinindo tua presença, sorrisos, frases, alegrias.

A retreta, no entanto, continua:

mudou-se para a Praça do Infinito,

habita agora a Sede da Lembrança;

ressoa como este pranto, este aceno.

Ficamos, mas sabemos que um dia

todas as bandas lá estarão, no Grande Encontro.

(Acadêmico Francisco Araújo Filho)

Nascido em 20/02/1956, Wilson José Lisboa Lucena é um alagoano de Penedo, onde estudos e sempre militou culturalmente. Aos 11/12/1975, tomou posse, como bancário na agência local do Banco do Brasil, enveredando por uma auspiciosa carreira bancária, na qual exerceu em seis unidades, o cargo de gerente geral, aposentando-se em 27/02/2007. Na agência da Rua do livramento, em Maceió. Em 18/05/2005 graduou-se em Jornalismo pela UFAL. Entrementes, dedicou-se a colecionar obras raras, compondo uma valiosa biblioteca. Enfim integrou-se a nossa Academia Penedense de Letras, Artes, Cultura e Ciências (APLACC). Embora não tenha sido músico, no entanto, o nobre acadêmico elegeu voluntária e efetivamente a leitura e a música como seus hobbies favoritos em Alagoas, sobretudo na nossa tão amada e decantada Penedo, burgo e cemitério alagoano de grandes poetas, onde fincou domicílio  me Maceió, tendo afinal na APLACC, aportado seu barco. Autodidata, voluntariamente dedicado às letras, humanista, com extremo domínio à língua-mãe ou padrão, de forma que, quando consultado, atendia prontamente já que a usava com certa dificuldade na oralidade, entretanto com certa elegância e desenvoltura na escrita.  Divulgador e incentivador, juntamente com uma plêiade de entusiastas, da cultura e da boa música alagoanas, participando, inclusive, efetivamente, dos eventos de maior relevância cultural, além das múltiplas atividades artístico-musicais, de apoio a inumeráveis retretas alagoanas, fossem do litoral ao sertão.

Ingressou na APLACC, tendo após o seu ingresso, incentivado seu irmão primogênito, o também saudoso Pastor Wilton Lucena a nela também ingressar. Em nossa academia ideou e manteve o projeto de publicação de seu trabalho de pesquisa acerca da historiografia das Bandas de Música alagoanas: “Tocando amor e tradição: a banda de música em Alagoas. Segundo o magistrado e bibliófilo Claudemiro Avelino de Souza, “Um resgate histórico-documental, cujas nuances e fatos, a poeira inexorável do tempo tendia a ocultar”. (DE SOUZA, 2016). Pessoa que demonstrava certa versatilidade na escrita. Foi operário na Fábrica da Passagem Nova, município de Neópolis na sua tenra juventude e, a posteriori, aprovado no concurso ou certame do Banco do Brasil nas primeiras colocações.  Passado não muito tempo, assumiu o cargo de gerente no referido Banco em várias cidades do interior alagoano prestando relevantes serviços àquela instituição e foi merecidamente reconhecido. Arguto e sagaz pesquisador, deixou como legado à sociedade alagoana o supracitado livro de pesquisa, haurida ao longo de anos a fio, uma contribuição “primus inter pares” , eivada de temáticas inusitadas, numa tentativa de preencher a lacunosa historiografia alagoana, repita-se, acerca das bandas de música alagoanas, histórico e trajetória de vários maestros. Vale frisar ainda que o saudoso acadêmico da nossa APLACC, professor e jornalista, que a publicação de tal obra trata-se de mérito não só ao seu autor, bem como à sociedade penedense, e em especial a essa egrégia instituição, como um marco indubitavelmente relevante à cultura e historiografia alagoanas, mérito também à nossa Academia, em destaque, a relevante qualidade textual, com certo valor linguístico à elaboração de seus textos, sobretudo  na significante qualidade de pesquisador, apologia minha justa a este nobre filho penedense que possui uma meritória página de serviços prestados não só à nossa terra, bem como a sociedade alagoana como um todo.

Lembro-me de quando criança brincava, livremente perambulava pela Rua Ulisses Batinga, naquela tão-amada nossa “Rua dos poetas de Penedo”, quando ia para o nosso tão amado ‘Grupo Escolar Gabino Besouro’, via-o passar para o Colégio Diocesano, no alvor das manhãs, junto do também saudoso irmão, amigo, confrade, ex-colega nosso acadêmico, Pastor Wilton, outro esteio na história de nossa academia. Nada casmurros, senão risonhos, papeando, altivos, vestidos numa indumentária escolar, numa farda, calça azul-marinho, sapatos pretos e blusa branca, dirigiam-se ao referido colégio e eu, em pura inocência, pueril que era ali, nada imaginativo de que, a posteriori, viéssemo-nos encontrar nesta casa cultural penedense, alagoana e brasileira, a ocuparmos cadeiras, já a priori, ocupadas por outros ilustres penedenses, prestadores de grandes serviços a nossa terra-mãe, berço de nossos avós e de inumeráveis poetas, dentre eles, o memorável parnasiano-simbolista Sabino Romariz, de cadeira n° 07, cujo ocupante é este que vos fala. Vale ressaltar que ambos os irmãos honraram-nos com suas nobres e valorosas presenças de seres humanos dignos, honestos, mui honrados pais de família. Amantes da cultura, ambos merecem aqui o nosso verde ramo de PAX ET SPES (De paz e de esperança), amigos ilustres agora noutro plano, junto ao Grande Arquiteto do Universo, na casa do Pai.

Aos domingos lá estava seu genitor, o saudoso amigo de nossa família, homem também culto, sério, de estatura mediana, em seu escritório de contabilidade, ali extremamente dedicado aos seus oito filhos, à esposa, a digníssima Maristela, mais conhecida como Dona Estela, amiga-irmã de minha saudosa mãe, Dona Celsa. Ambas as pessoas, ele e ela, amigos-irmãos fiéis de meus pais, naquela nossa memorável e tenra infância em Penedo. Naquela mesma supracitada rua, que também é minha de nascimento e o foi de morada, por longo calendário, até quando bati definitivamente as asas para o mundo; via-o ali, perspicaz, devorando livros, os mais variados, que os guardou num dos valorosos acervos de obras e escritores, interdisciplinar, inclusive de música não só alagoana como clássica, bem como de literatura, a exemplo de Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Sabino Romariz, as minhas obras, dentre outros poetas e exímios escritores do cenário brasileiro, do estrelato alagoano, dessa terra por nós mui amada, cemitério de poetas, refúgio do colega Wilson nos momentos de folga ou descanso. Boêmio, mecenas, (protetor, patrocinador das bandas de música, da arte, das letras, dos artistas e instrumentistas, dos maestros da primeira à enésima grandeza).

Falar mal da música de qualidade diante de Wilson Lucena “seria uma profanação, o mesmo que profanar o ninho de um beija-flor”, nisso não insistisse quem quer que fosse, digo eu utilizando-me da Musa Poesia neste azado momento de lembranças e de relembranças deste nobre cidadão penedense, do tão digno e saudoso meu irmão-camarada de inumanas lutas. Sem dúvida, um desbravador, um lutador, um idealista, capaz de ficar de mãos e bolsos vazios, contudo investir até a alma, em detrimento de si mesmo, porém a favor da música etecetera, só para “ver a banda passar, tocando coisas d’amor” em riquíssima melodia, rara beleza e pura poesia.  Bandas que tocaram a alma alagoana, que reproduziram estados afetivos, referências ao nosso agônico Velho Chico e a outros rios e lagoas dessas e d’outras plagas, sertanejas, até, como as de Pão de Açúcar, as de Traipu, dentre outras. Que fizeram referência a elementos comuns, pitorescos das Alagoas, à fotografia do real psicológico de nossas mais inumeráveis paisagens, em tons sugestivos, poéticos, conotativos, musicais, sinestésicos, aliterativos… Obras do xote, xaxado, baião, marchinhas, frevos, dobrados… De grandes maestros como os nossos também saudosos: Sub Raimundo Santos, Maestro Catarina, o nosso mestre Luís Freire além do registro dos atuais: João Batista Rocha, Douglas Felipe, Antônio Emanuel Rocha, Nelson Silva, Eraldo José da Trindade etc, a exemplo disso, o Professor Luís Freire, que nos ensinava gratuitamente. Homens que formaram gerações de músicos, de artistas espalhados pelos mais rincões e distantes lugares e plagas deste imenso país. Despojados, d’almas puras, alegres, festeiros, irmanados, disciplinados, sonhadores, voluntários, enfim grandes idealistas, frutos em extinção na contemporaneidade. Que ensinavam na digníssima Sociedade Musical Penedense, no Montepio dos artistas etc, pelo mero prazer de ensinar, para, repita-se, “ver a banda passar, tocando coisas d’amor”, em riquíssima melodia, rara beleza e pura poesia. Formaram não só seus coetâneos tanto quanto a nossa geração que agora dá continuidade, num belo e maravilhoso ciclo, rumo às gerações atuais e futuras, às que virão com certeza.

Portanto, deixo aqui essa breve, sincera e não mais do que honesta homenagem ao saudoso professor, pesquisador, confrade, colega acadêmico, como queiramos denominá-lo, feliz não só por sua trajetória junto à musica e à academia, o imortal  Wilson José Lisboa Lucena, de saudosa memória, eterno imortal da APLACC, ocupante  relevante  de uma de nossas cadeiras, agora vaga para ser ocupada efetivamente por seu predecessor. Faz-se mister frisar que ora o defendo e o rememoro com a alma repleta, prenhe de incomensurável júbilo; de poder, nesse tablado, nessa digníssima tribuna, de maneira digna e respeitosamente louvá-lo.  Devemos, portanto, reconhecer não só o talento bem como o esforço de um assíduo pesquisador que, malgrado não tenha sido músico, por essas plagas viveu e por elas apaixonou-se perdidamente não só pela música.  Utilizo-me aqui dum verso do também acadêmico, ocupante da cadeira a qual ocupo; o “Poeta das Rosas Vermelhas”, também de saudosa memória, Maurício Gomes, que no poema “Igreja da Corrente”, utilizou-se da prosopopeia, personificando-a, como se ela com sua vetusta beleza fosse alguém de carne e osso, a contemplar a outra inata beleza do Rio São Francisco: assim também o nobre parceiro, amigo irmão-camarada, a contemplar a música, o ribombar dos agogôs, tamborins, pandeiros, cuícas, saxofones, trompetes, trombones, as trompas de harmonia, enfim a orquestra toda, a maravilhosa sinfonia de Deus, a cantoria dos pássaros, a beleza das rosas, das páginas dos livros, dos mais belos contos, romances, as mais belas histórias que nossos avós nos cantaram, as canções de ninar cantadas por eles, os mais belos poemas. Enfim, o “Penedo vai, Penedo vem, Penedo é terra de quem quer bem”. Tenho dito e muito obrigado!

BIBLIOGRAFIA

DE SOUZA, 2016. in: LUCENA, Wilson J. Lisboa. Tocando amor e Tradição: A Banda de Música em Alagoas. Ed. Viva, 2016.

LUCENA, Wilson J. Lisboa. Tocando amor e Tradição: A Banda de Música em Alagoas. Vol. I e II. Ed. Viva, 2016.

Epitáfio a um poeta da minha Academia

( À memória do confrade Marcelino Cantalice da Trindade)

Por Luciano Santana Rocha

Salve, meu poeta!
Escreve agora as tuas poesia-prosa noutras plagas!
Não te escrevo um poema. Poesia neste azado momento d’escuro é fruto em extinção! Senão um recado regado a lágrimas e a saudades num chão onde há-de brotar um verde ramo da mais louca e bela esperança!
Se num quarto escuro da solidão e da dor ficaste no limiar de teus dias neste mundo, confrade, Santa Maria del Angelus há-de acender-te as lamparinas de la eternidad!
Prossegue, meu poeta, guardião da Academia! Prossegue no uniforme voo dessas garças brancas nestas tardes desse doce amargo julho e resguarda a nossa pax et spes!

 

Salve, Marcelino!

Por Luciano Santana Rocha

Salve, meu poeta! Solidário peregrino,

Solitário viajante, menestrel, da Paraíba rebento!

Enamorado das Alagoas, da bela moça Penedo.

Visionário, missionário da santa e louca palavra!

 

Salve a tua santa ira, saltimbanco, o teu evangélico proclama!

A tua prudência-silêncio de pedra pura,

As tuas gêmeas siamesas prosa/poesia!

Irmanadas às minhas, sopro de fúria de poeta-homem-menino.

 

Prossegue avante, velho camarada,

Passo-a-passo em tua estrada, em teu vôo de pássaro

Resistência do velho Chico pelo alvor das manhãs e do poema.

O teu freio às vezes aos meus grito e canção desesperados

De mil e uma noites adentro, em meio a esta nefasta escuridão!

Salve, nobre poeta! Que daqui eu te saúdo e estendo-te mil e uma páginas do Cancioneiro Nordestino, meu (com)frade eterno!

Prossegue, ainda que taciturno nos passos e na voz, não no sonho;

Não no louco sonho pelas iluminadas auroras que hão de vir

Sobre nós e nossos filhos.

Que o teu coração insista em bater por mil e um anos, camarada!

Que brade o teu repicar de sino bronzeado de sol e de luar,

Às matinas de Santa Maria del Angelus do Penedo!

Carpe diem, homine!

Vive vitam, homine!

E recebe este meu ramo verde d’esperanças,

Esta singela e tão doce apologia enquanto ainda palmilhas

Longínquas veredas, guardião-mor da academia!

Enquanto perambulas, menino teimoso,

Por esse vasto e louco mundo sedento do amor de Deus.

 

Recebe enfim ao ouvido este verso-canção, esta sagrada oferenda,

Esta carta-melodia, gomo de fruto dócil, puro eco e sentimento,

Partitura da uníssona canção daqueles que te amam!

O hábito da leitura

FACULDADE PIO DÉCIMO

Por LUCIANO SANTANA ROCHA

 

O HÁBITO DE LEITURA: UM DOS PRÉ-REQUISITOS PARA UMA BOA PRODUÇÃO TEXTUAL

 

TRABALHO  APRESENTADO  AO  CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO FINAL DO MÓDULO DE PESQUISA II, MINISTRADO E ACOMPANHADO PELO PROF. DR. ANTÔNIO PONCIANO BEZERRA.

 

Aracaju, 2012

 

O HÁBITO DE LEITURA: UM DOS PRÉ-REQUISITOS PARA UMA BOA PRODUÇÃO TEXTUAL

Prof. Luciano Santana Rocha (poeta e contista. Pós-graduando em Língua Portuguesa e mestrando em Ciências Sociais.)

O hábito de leitura proporciona uma viagem visceral a quem dele se utiliza, não só nas obras-primas da literatura, como nos conhecimentos de uma forma em geral; torna-se qualidade exigida como pré-requisito. Sem isso é impossível que qualquer ser humano seja capaz de, em seu trabalho ou labor final obter êxito, de uma forma ou de outra.    Faz-se mister tal pré-requisito, sem necessariamente ter que escrever vislumbrando o mundo com as lentes do intelectual ou do escritor profissional propriamente dito.

Basta uma leitura atenta, densa, linha a linha, evidenciando como grandes escritores  do passado, como do presente obtiveram e continuam obtendo êxito, ou resultados apreciáveis por meio de um ou de outro método de escrever. Como sabemos, aprendemos a escrever a partir de exemplos, mas colhendo no âmago dos textos as expressões, refletindo e vendo como tratar a frase, o parágrafo, como e por que quebrá- lo, como conectar as orações entre si, tornar-se coeso, coerente, pouco repetitivo e claro. Como avaliar o impacto das palavras, como prender o leitor, e, no caso da criação literária, no romance ou no conto, como criar personagens e enredos interessantes; por que e de que forma criar o clímax, etc. Segundo Francine Prose, escritora e professora americana, explicitando acerca de suas idiossincrasias no processo, no ato de escrever ressalta:

“No  processo  de  me  tornar  uma  escritora,  li  e  reli  os autores de que mais gostava. Lia por prazer, primeiramente, mas também de maneira mais analítica, consciente do estilo, da dicção, do modo como as frases eram formadas e como a informação estava sendo transmitida, como o escritor estava estruturando uma trama, criando personagens, empregando detalhes e diálogos. E à medida que escrevia, descobri que escrever, como ler, fazia-se uma palavra por vez, um sinal de

pontuação por vez. Requer o que um amigo meu chama de “pôr as palavras em cheque” : mudar uma adjetivo, cortar uma frase, remover uma vírgula e pôr a vírgula de volta”.

Como pode alguém obter sucesso na produção textual sem, a priori, ter o hábito da leitura? Não é necessário ter-se em mãos regras imutáveis para chegar-se a resultados satisfatórios, uma vez que cada escritor institui suas próprias regras de criação em busca de atingir o podium da arte da palavra, da escrita, da potência verbal, do aplauso público. A leitura funciona como oficina literária, ginásio da produção textual, do bom e antigo sarau literário. Nos textos livrescos há ali as técnicas de redação, de composição e de narração. Ninguém nasce com o “dom”, ou a “genialidade” para o ato de escrever; pelo contrário, vai-se aperfeiçoando pari passo, aprendendo os critérios de avaliação da qualidade artística de um texto. As palavras-chaves nesse caminho são: liberdade, flexibilidade, prazer de ler o que se quer, obviamente, o que nos convém, a alegria de escrever e de ver o trabalho final, como um artesão ante sua escultura, o pintor frente a suas telas, o músico perante a sua ópera, sua peça musical. É lógico que as oficinas literárias, de redação e/ou produção textual, seja na escola ou na universidade são peças relevantes nesse processo, até como instituições que oferecem atividades curriculares e extracurriculares. No entanto, gostar de ler ainda continua sendo um critério central na mirada dos grandes mestres da escrita e da boa oralidade, mesmo que isso para uns, com suas idiossincrasias, pareça ter conotação polêmica.

Todas as tentativas de melhoria de produção verbal e escrita são válidas. O que importa é começar a tatear por um mundo escondido, encantado, apocalíptico da linguagem, que a chave é essa sem sombra de dúvida alguma. Sem essa porta de entrada para o conhecimento, eis o deserto, eis o caminho escuro, íngreme para se descobrir a fórmula exata, o caminho das pedras da produção escrita. Sem esse instrumento tão palpável,  torna-se  difícil  e  até  nebuloso  adentrar  o  recinto  do  saber  com  toda  a segurança.  Afinal,  o  amor  à  linguagem  não  se  ensina,  tampouco  o  talento  para  a narração de estórias, de contos, o fazer poesia ou o ato de poetizar brilhantemente. Distintamente da tabuada ou dos princípios da eletrônica, entre outros conhecimentos, a criatividade não pode ser ensinada de professor para aprendiz, é o que já estamos cansados de ouvir. Se pensarmos o contrário, estaremos praticando uma fraude criminosa, um crime bárbaro indubitavelmente.

Como exemplo claro disso é a maioria dos alunos da escola pública que, de praxe, recebemos a cada ano letivo, sem a mínima preparação para redigir claramente, objetivamente um bilhete sequer, sem que não cometa dois, três e até mais erros ortográficos; sem o alicerce básico para escrever um parágrafo com o mínimo de coesão e de coerência possíveis; mesmo que em linguagem simplória. Não são culpados por tais proezas. Há quem culpe o sistema educacional do país, os pais que não estimulam porque também são vítimas de tal sistema e, acima de tudo, de uma sociedade dividida em classes, de uns que conseguem um “lugar ao sol” no mercado de trabalho, os poucos leitores, que têm acesso à escola de qualidade e aos livros em sua maioria caros, e grande parcela populacional de analfabetos funcionais que mal sabe assinar o próprio nome. Marginalizados, exclusos, vítimas de certo mal-estar não só dentro dos muros dos “campi” educacional, como extra-sala de aula, bem longe dos corredores do conhecimento, por aí prosseguem. Restam-lhes, portanto, apenas atividades laborais as mais rudimentares, as mais simplórias e menos remuneradas, em grande parte, humilhantemente degradantes. Sobre isso se exprime a autora Babette Harper, em um de seus textos sobre a desenvoltura dos alunos de baixa renda na escola pública:

“Este mal-estar experimentado pelas crianças dos meios menos favorecidos pode desembocar numa atitude de recusa da escola, que se traduz em erros constantes, num mutismo dentro da sala de aula, em suma, na instalação progressiva do aluno numa situação de fracasso”.

Algo disseminado nos salta aos olhos. Não se chega afinal à escrita sem antes ter palmilhado pelos caminhos e descaminhos da leitura. Seja em casa, de modo autodidata, seja ao largo da escola, das Universidades, que nada nos vem aprioristicamente, como já foi supracitado. E leitura não significa apenas a habilidade para juntar letras, sílabas, vocábulos, frases soltas… Ler exige muito mais do que isso; é entender como está sendo tecido todo o texto, ultrapassar suas fronteiras e superfícies e inferir do ato de ler seu sentido profundo; que a uma maioria de leitores desatentos isso passa de forma despercebida.   Somente uma relação mais estreita do leitor com o texto poderá ulteriormente lhe conceder tal sentido amplo como um desafogo. Tanto ler quanto

escrever exige tamanha habilidade, tamanha sinergia entre ambos, leitor e autor (livro), já que se complementam simultaneamente. É por essa razão que, repito, são justamente nos textos bem redigidos que apreendemos e aprendemos os procedimentos linguísticos necessários para tal.

Consequentemente resulta o suporte de cultura que enseja a quem gosta de ler, a quem faz a escolha sensata do ato de ler e posteriormente de escrever, decide intermitentemente, alegremente buscar o caminho árduo, íngreme que é o de enveredar pela arte da escrita, pelo viés cultural; embora a cultura neste país seja submetida a um segundo plano, principalmente a Educação. Sobre isso li certa vez um artigo num livro sobre política cultural de Martin César Feijó:

“Vários motivos me levaram a este livro. Dois se destacam pelo grau de envolvimento: raiva e esperança. Explico-me: raiva por ver o quanto a cultura ainda é vista como artigo supérfluo em nossa terra; esperança por observar quantos movimentos culturais  têm  acontecido  em  nossa  história,  e  quase  sempre como forma de resistência e/ou transformação.” (…)

Segundo ainda Francine Prose,

“Para  qualquer  escritor, a  capacidade  de  olhar  uma  frase  e identificar o que é supérfluo, o que pode ser alterado, revisto, expandido ou – especialmente – cortado é essencial. É uma satisfação ver que a frase encolhe, encaixa-se no lugar, e por fim emerge numa forma aperfeiçoada: clara, econômica, bem definida.”

À medida que o leitor vai minuciosamente lendo palavra por palavra, frase por frase, período por período, parágrafo por parágrafo, vai paulatinamente assimilando não  só  os  conhecimentos  ali  contidos,  como  também  ponderando  cada  tomada  de medida ou de decisão feita pelo escritor. Seja o conteúdo escondido num romance, por

exemplo, Memórias do Cárcere, do Graciliano Ramos, ou num conto, Continho, de Paulo Mendes Campos, num livro didático ou noutros quaisquer, são na verdade poços de beleza e de prazer, aulas particulares retirados da leitura e obviamente resultante da arte  da  escrita.  O  certo,  evidentemente,  é  que  quem  escreve  aprende  a  fazer  algo distinto, em última análise, aprende a escrever com a prática do dia a dia, o trabalho árduo, a repetição de várias e exaustas tentativas e erros, o sucesso e o fracassar, acima de tudo com os livros que temos admiração. Ou seja, urge superar a visão acanhada, tacanha, medíocre da maioria das pessoas, acomodada a fazer sempre o trivial, o extremamente necessário, o obtuso, dar um salto de qualidade para o presciente prestando atenção aos sinais e advertências, a discernir o que serve e o que deve ser cortado, evitado, posto na lixeira.

É divertido até identificar tais empecilhos e fazer tais conexões entre uma coisa e outra, decifrar os códigos e encontrar o caminho das pedras, efetivamente. Manter enfim a comunicação com o autor e se autor, vice-versa; ter a sensação de se estar aprendendo de uma forma inteiramente nova, dotada de sentido, quando na verdade o que acontece é que o leitor nada mais está do que reaprendendo a ler com o antigo mecanismo que havia aprendido, e que já esquecera; e sente como o tempo e a idade drasticamente afetam a nossa compreensão. Por isso afirmarem que ler é remédio para combater as doenças neurológicas, como mal de Alzheimer, as cegueiras metafóricas ou literais, mesmo vivendo na era da ciência e de uma suposta profusão midiática, tecnológica. E com relação à Literatura pode-se afirmar a mesma coisa sabendo-se que poucas são as exceções de grandes produções literárias, na verdade.  Segundo o poeta e maior crítico literário americano Ezra Pound, “a Grande Literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”.

Ou ainda sobre formas de saturação da linguagem, exprime-se:

“A  saturação  da  linguagem  se  faz  principalmente  de  três maneiras: nós recebemos a linguagem tal como a nossa raça a deixou;  as  palavras  têm  significados  que  “estão  na  pele  da raça”; os alemães dizem, “wie in den Schnabel gewaschsen”: como que nascidas de seu bico. E o bom escritor escolhe as palavras pelo seu “significado”. Mas o significado não é algo tão definido e predeterminado como o movimento do cavalo ou do peão num tabuleiro de xadrez. Ele surge como raízes, com associações,  e  depende  de  como  e  quando  a  palavra  é comumente usada ou de quando ela tenha sido usada brilhante ou memoravelmente.” (In: O ABC da Literatura, p. 04)

Há explicação mais completa de que esta acerca do uso brilhante das palavras e até de sua saturação? Acredito que muito poucas. No mais o que vale aqui é que quaisquer citações usadas, de uma forma ou de outra, têm profunda relação com o ato de escrever, e de escrever bem, inclusive com figuras de retórica no intuito de embelezar e melhorar o discurso, o texto; vejamos outro exemplo do crítico francês P. Fontanier:

“Irão nos perguntar se é útil estudar, conhecer as figuras. Sim, responderemos, não poderia sem mais útil e nem mesmo mais necessário   para   os   que   querem   penetrar   no   espírito   da linguagem, aprofundar-se nos segredos do estilo […]. Não procurar conhecê-los seria, portanto, renunciar a conhecer a arte de pensar e escrever no que tem de mais precioso e delicado: o que seria quase o mesmo que renunciar a conhecer as leis, os princípios do gosto.”

Ou ainda sobre a arte da escrita, o que afirma Jean Paul Sartre na obra O que é a Literatura? Vejamos o que e o autor fala acerca do calar ou do deixar passar em silêncio diante de determinado aspecto do mundo, se fala disso e não daquilo; se muda tal coisa e não outra:

“Nada disso impede que haja a maneira de escrever. Ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. E o estilo, decerto, é o

que determina o valor da prosa. Mas ele deve passar despercebido. Já que as palavras são transparentes e o olhar as atravessa, seria absurdo introduzir vidros opacos entre elas. A beleza aqui é apenas uma força suave e insensível.”

Portanto,  diz  Prose  “que  o  truque  para  escrever  bem  é  ler  –  de  maneira cuidadosa, refletida e lenta”. Às vezes é preciso desacelerar o ritmo, sem pressa na corrida. Como se diz no adágio: “devagar e sempre”. Não basta ler se não se lê o que se gosta, respeitando-se as idiossincrasias e criatividade tanto do leitor quanto do escritor, este último muitas vezes tido como abençoado com sabedoria e gênio, magnânimo como os mortos; capaz de desenvolver ritmo, enredo, trama, fantásticos, sem se levar em  conta  anos   a  fio  de  trabalho  árduo,  entediante,  prazeroso  que  seja.  Sua engenhosidade e inteligência são na verdade provenientes de sua prática de leitura, de sua compulsiva vontade para tal, de sua bagagem cultural, etc.

Para se suplantar os próprios limites nessa empreitada cultural, de crescimento até a busca do podium, supracitado no início do texto, urge labor intelectual, procura de estética, da sonhada perfeição na peleja com as palavras. Pressupõe-se a passagem pelas labirínticas veredas escuras que exige o ato de escrever, para se deslindar, após mil e uma tentativas, a saída do túneo, a travessia dos desertos infindos, a superação dos dissabores e dos próprios limites, enfim o encontro com o oásis literário, a subida a tal tablado.

Enfim, sem  gostar de ler, fica praticamente impossível entender-se com os autores e seus personagens ficcionais, seus gestos e atitudes, sua linguagem, ás vezes até neológica, com a genialidade de seus criadores, com as pessoas do mundo global. Portanto é necessária a conexão com as obras não só de arte, a mínima avidez para a leitura, por mais prosaica que seja; tal pré-requisito é plausível, senão convincente. Torna-se desastroso querer-se granjear a opinião de vivos e mortos sem tal esforço, inexoravelmente, sem enfadonhas sessões de exercícios para a produção textual de uma forma geral, sem a busca da fluidez na leitura e posteriormente na escrita, num sentido de competência e controle da situação, sem afligir-se, obviamente, transformando tal ato num ato de prazer. Sem tal proeza, faremos um desserviço a nós mesmos, não chegando a lugar algum, senão a um beco sem saídas.

BIBLIOGRAFIA

PROSE, Francine. Para ler como um escritor (Um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los). Zahar, Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro, 2006. p. 15.

HARPER Babette ET alii, Cuidado criança! São Paulo, Brasilense, s/d. p. 75. FEIJÓ, Martin César. O que é política cultural. São Paulo, Brasiliense, 1985. P. 7.

POUND, Ezra.   ABC da Literatura. Editora Cultrix, São Paulo, edição número 12, 1997, p. 04

FONTANIER, P., Les Figures Du discours, Paris, Flammarion, col. “Champs”, 1977.

ROGER, Jérome, A Crítica Literária,  Rio de Janeiro, DIFEL, 2002, p. 25.) SARTRE, Jean Paul. O que á a Literatura? Editora Ática,  São Paulo, 1989., p. 22. RAMOS, Graciliano, Editora Recorde, Rio de Janeiro/ São Paulo, 2004.

CAMPOS, Paulo Mendes. Edições de Ouro. In: Supermercado. Rio de Janeiro, 1976, p.53.

Fragmento

………………………………. Março;

Um perfume oriental pelos ares esparso,

Céu azul, muita luz, muita flor, muito aroma.

No horizonte visual o sol cantando assoma

Epopeias que são substâncias dos mundos

– Oiro, fogo, cristais refulgentes, jocundos,

Como Deus a sorrir.

 

Nas aleias um sonho

Palpitante, assim como um noivado risonho,

Uma vida serena, uma idade feliz

– O noivo um rouxinol, a noiva a flor de lis.

Coro de aves ao longe, harpejando em surdina,

Melodias talvez de uma canção divina

A um dos lados além cortinados desata,

De levantina azul com filetes de prata,

A cachoeira irisada a pérolas, diamantes,

Esmeraldas, rubis, para os brancos amantes,

Que vão casar, que vão gozar, que vão dormir

E sonhar ilusões de um ditoso porvir.

Sonhar, como à feição dos noivos, é preciso,

Que sempre hão de viver dentro de um paraíso,

Sem conhecer, sequer, no seu viver sereno

A lágrima que tem o sabor do veneno,

Que fulmina a alegria e o sorriso destrói,

E mata a mocidade e mata o ardor do herói.

 

Esvoaçavam no espaço as nuvens erradias,

Dando vasa a seis mil expansões de alegrias.

Borboletas azuis viam-se aqui e ali.

A’s oito da manhã desse dia eu nasci.

 

Alegria dos pais, o pobre pequenino,

Vagindo, penetrou nas raias do destino,

O espírito compresso entre a carne sofria;

E, por esse motivo, pequena, a agonia

Encarnada, chorava, enquanto a mãe ao vê-la

Transformava-se em luz, em sorrisos, em estrela;

 

– Desdobramento ideal do seu EU, essa criança

Havia de a levar mais do que a vista alcança,

Nas asas que iam ser (pobre mãe adorada!)

Todas feitas de céus com plumas de alvorada.

Asas-crânio, asas-sóis, asas-astro, asas-rosas,

Voo azul de condor em paragens ditosas,

Voo-eterna invasão, voo-arrojo infinito,

Voo-repercussão de extraordinário grito;

Soberano do ideal, voo-verdade eterna

– Estrela que se fez de um chispar de luzerna,

Verbo de Mirabeau, e palhetas de Giotto,

Aura de amor e paz, cabeça deslumbrante,

Contendo toda a luz das poesias do Dante

E inspirações talvez maiores que Bellini,

– Meteoro que refulge e bronze que retine,

Espoucar de trovões, herói, gigante, artista,

Tudo quanto do que é mais ordinário dista

E que está muito mais elevado que os reis,

Fui para minha mãe,

 

E nada sou,

Sabeis.

 

*Poema incluído no opúsculo “Romariz, O Vate – Oração à Mocidade Penedense”, de José Mendonça; segundo Mendonça, o texto acima “abria o livro intitulado ‘Eleison’, em preparo quando o vate morreu”.

A influência judaico-cristã em Sabino Romariz

A influência judaico-cristã em Sabino Romariz — o conteúdo imaterial simbolista:

APOLOGIA AO POETA-MAIOR DO PENEDO (+1913 – 2013)

 

PARTE I – A BIOGRAFIA

Sabino Romariz nasceu em Pendo, Alagoas, a 25 de março de 1873. Filho do poeta João de Almeida Romariz e de Dona Maria de Assunção Romariz, ficou órfão em tenra idade, indo então morar com os avós maternos. Em Penedo passou a infância em fez os primeiros estudos. Aos dezesseis anos vai para Pernambuco estudar, como interno, no Colégio Diocesano de Olinda, onde, em 1890, conclui os estudos preparatórios. Em seguida ingressa no seminário daquela mesma cidade, contudo, por falta de vocação eclesiástica para tal o abandoa a um ano de sua ordenação. Regressa a Alagoas e, em Maceió, torna-se professor de Língua Portuguesa e de Desenho Figurado, além de amanuense da Intendência Muncipal. São dessa época suas primeiras publicações literárias.

Retorna a Olinda-PE e ali leciona as Língua Inglesa e Latina, respectivamente, por um ano. Depois prossegue para Areia – PB, onde leciona Latim e Francês, escreve no jornal “O Democrata” e colabora na folha oficial do Estado. Nessa ocasião publica, em folhetos, duas composições poéticas: As Cordilheiras e Redenção de Judas.

Em 1895 é encontrado do Rio de Janeiro, em meio ao beletrismo de Olavo Bilac, Coelho Neto e Guimarães Passos, Vicente de carvalho, Alberto de Carvalho, Raimundo Correia, dentre outros poetas parnasianos e simbolistas de então. Daí sua estréia na imprensa carioca, com o poemeto lírico-bucólico A Mansinha, que é bem acolhida pela crítica. Sabino passa ali a exercer intensa atividade jornalística, quando passa a escrever para a revista Gênesis, e colabora em diversos jornais da cidade. Entre 1901 e 1902 esteve em São Paulo e Minas Gerais, onde publicou Solidôneos, coletânea de 30 sonetos. Entretanto, foi em sua terra natal, a nossa amada e decantada Penedo, para onde retornou em 1903, que o nosso querido poeta mais produziu. Faleceu em 09 de maio de 1913, deixando expressiva produção literária.

A vida do nosso genial vate alagoano não se resume, evidentemente, nessas poucas linhas. Ocorre que as notícias acerca de sua pessoa são controvérsias e nem sempre seguras, por exemplo, a data de nascimento e a idade em que morreu. Romeu Avelar afirma que ele nasceu em 1871, o que é contestado pelos demais autores, unanimemente, a afirmar que foi em 1873. Segundo a revista Mocidade, Cipriano Jucá engana-se ao escrever que Sabino morreu aos 33 anos, com a mesma idade de Cristo. Quando na verdade teria sido aos quarenta anos. A causa mortis também é controvertida. Para uns decorreu de tuberculose pulmonar, para outros de infecção no fígado provocada pelo excesso de álcool.

Notícia segura é que nasceu e morreu quase na miséria. Foi casado com Aspásia, moça humilde do campo com quem teve dois filhos. De temperamento instável, por vezes acabrunhado, precocemente entregou-se ao vício do alcoolismo, tornando-se um boêmio incorrigível, não obstante culto, deixando em cada lugar por onde passou um pouco de sua poesia e de sua obra. No entanto, não teve preocupação tampouco condição financeira para publicá-la.

Na verdade, o grosso de sua publicação veio a público em jornais tanto no Rio de Janeiro como na Paraíba, além de Maceió e de Penedo, principalmente. Lamentavelmente muito desse material raro perdeu-se. Romeu Avelar afirma que Sabino publicou em O País (RJ) o poema bíblico A Madalena, e uma série de sonetos históricos intitulados Rubros, mas não se sabe onde foram parar. E o que se fez do drama Quixaba, Pela Coragem, Baiuca e do poema heróico Simoun, que teriam sido publicados aqui? O que dizer também dos inéditos poemas Poema Branco e Ímã, este presumivelmente um romance naturalista?

Com inumeráveis indagações sem resposta vê-se que a vida e trajetória do nosso poeta-maior vêm a merecer exaustivas pesquisas, como algumas que já começaram a ser produzidas pelo país, na PUC (SP) e em outras universidades por aí. Não se trata de reconstruir uma biografia, da reconstrução de um patrimônio histórico e literário de considerável valor e relevância, apenas. Afinal, a estrela de Sabino brilhou a ponto de granjear aplausos de renomados intelectuais da antiga capital, a exemplo de José do Patrocínio, que transcreveu o poema A Madalena no jornal Cidade do Rio de Janeiro, além disso colecionou elogios não só de seus conterrâneos como de coetâneos.

Poeta, considerado o “luminar” da Literatura Penedense, que por motivo de preocupação ou por pouquíssima condição sócio-econômica, não foi capaz de reunir e/ou organizar seus poemas em obras. Afora Solidôneos, só editou livros em Penedo, sua/nossa terra natal como: Lama Sabactani (1903), As Duas Rosas (1907), Mea Culpa (1910) e Toque D’Alva (1911), este por editora lisboeta, repito. Mesmo assim, sua produção veio a público em jornais tanto na Paraíba e Rio de Janeiro, como em Maceió e em Penedo. Lamentavelmente, a maioria desse material e /ou acervo literário perdeu-se como o poema bíblico: A Madalena e uma série de poemas históricos intitulados Rubros; contudo ninguém sabe de seu paradeiro. Em muitas delas vê-se nitidamente a influência judaico-cristã, o conteúdo do Sermão da Montanha, que trata das virtudes dos homens e de uma suposta recompensa futura, transcendente.  Noutras, a posteriori, não o baixo, mas o alto kardecismo, que nos faz lembrar a filosofia de Bérgson.

Lendas e exageros à parte, o certo é que dele saía uma Pura Poesia, uma Poesia Pérola, de extrema beleza não só rítmica quanto musical, sugestiva, aliterativa, evolutiva, filosófica, (influência de Bergson), à busca do indefinível, do amálgama das sensações, dando ênfase ao soneto e à perfeição nos versos, à linguagem figurada e apurada (uso de metáforas), mesmo que mescladas à sua cosmovisão espírita, ou judaico-cristã.  Enfim, um poeta místico que fez da LUZ  seu tema primordial, núcleo central de seus cantares.

Muitas indagações se criaram acerca da figura dele e até mitos se construíram em torno de sua poesia e de sua personalidade. Devido a tantas interrogações sem respostas exatas, eis o exato motivo para o estudo apurado, a fim de constatar-se que a vida de nosso poeta em questão merece exaustivas pesquisas nesse intento. De acordo com Ernani Méro, Sabino foi “um gênio da poesia”, certamente pelo fato de que sua produção poética estava, além de eivada de influência judaico-cristã, historicamente falando, prenhe de características não somente românticas, como simbolistas, sem dúvida alguma, influenciado por Junqueira Freire, por Vitor Hugo, por Cruz e Souza (o maior representante dos poetas simbolistas brasileiros). José do Patrocínio transcreveu parcialmente os poemas Madalena e Redenção de Judas no jornal Cidade do Rio de Janeiro. Chegaram a granjear e/ou noticiar em alguns jornais da época o valor e a relevância do vate alagoano, “o luminar” da literatura de Penedo. Segundo o mesmo comentador, José Mendonça afirmava: “Foi um poeta no menor gesto; tudo nele era ritmo”. Adalberto Marroquim também chegou a literalmente afirmar: “Tinha figurações de gênio”. Para Cipriano Jucá, foi o “maior poeta repentista do Brasil”, pois “fazia versos ditando-os quando lhe davam o assunto, sem contrair um músculo da face sequer, sem demorar um segundo a cata da rima”. Reza também uma lenda, sem muita veracidade, levando em conta o poeta ter sido jornalista – de acordo com tal, Sabino Romariz nunca escreveu um poema sequer, tendo toda ou quase toda produção poética ter sido feita improvisada e escrita por mãos de terceiros.

Portanto, urge que além de sua defesa e resgate se pesquise tal poeta não só pela qualidade literária, apesar da escassez de material bibliográfico e pela contingência acerca de novas pesquisas nessa linha que venham a favorecer pesquisadores, referentes a uma época áurea de nossa cultura e de nossa terra no que tange a produção literária de alto nível. Também como meio de estimular a produção cultural e como forma de colaboração à poesia e à cultura alagoanas contemporâneas.   Uma vez que este presente trabalho não faz como alguém já o disse noutro trabalho anterior, por acaso, jus ao nobre talento versejador desse vate alagoano. Antes de tudo é um empenho, no intuito de não só defendê-lo academicamente, como de reunir grande parte de sua obra, como estudá-la, traçar ranhuras que sirvam de paradigmas ou águas divisórias entre a obra do poeta em questão e as características não só românticas, como de caráter parnasiano-simbolista, fruto de influências diversas e contemporâneas do mesmo. Tudo isso, apesar de múltiplas pesquisas que já se esboçaram nesse sentido, foi possível coligir não apenas uma pequena porção e/ou parte de sua produção literária, como aprofundá-la com afinco. Não se trata de um trabalho eminentemente filológico, justo que se trata de uma análise mais eminentemente literária propriamente dita como passo inicial; justamente pelo fato de tratar-se, creio eu, de uma justa apologia referente à poesia de Sabino Romariz, nosso poeta-maior, fato de extrema relevância nesse sentido.


PARTE II – A ANÁLISE LITERÁRIA DE SUA OBRA:

Segundo a Profa. Heliônia Ceres, Fernando Iório, ex-bispo de Palmeira dos Índios – AL, pesquisador e ex-professor doutor da Universidade Federal de Alagoas, ex-presidente da ACAL, de saudosa memória, num estudo profundo sobre o vate penedense assinala sua ligação com o Simbolismo da seguinte forma:

 

As primeiras obras de Sabino vêm ligadas a um tom parnasiano; logo em seguida, depois de libertos da mensuração rígida, assumem seus poemas a feição simbolista, valorizando o ritmo e a expressão indireta. (…) Daí refletir Sabino em sua poesia o subjetivo, o pessoal, o vago, o sugestivo, o religioso, a expressão indireta e simbólica em versos que, não desprezando o metro e a rima, fixam-se especialmente no ritmo, característica do Simbolismo.

(IÓRIO, apud NUNES, 1992, p. 17)

 

 

Quanto ao caráter judaico-cristão de sua poesia, afirma a pesquisadora e digníssina professora Vera Romariz, sua neta:

 

A tradição judaico-cristã teve como primeiro tronco a religião de Israel, documentada pelo Antigo Testamento[1] e pela Torah. O texto bíblico, no entanto, composto por vários autores religiosos e em épocas diversas, aponta para uma conclusão importante: mais que um texto religioso, ele constitui o relato da história do povo judeu em busca da identidade nacional, conforme afirma André Caquot (1970). A cultura judaica dialogou, permanentemente, com os povos vizinhos, o que pode ser inferido da leitura atenta da Bíblia. (CAQUOT, apud ARAÚJO, 1970: 363)

 

Diz ainda a autora supracitada que este documento, então, parece apontar-nos que

 

a religião de Israel foi uma afirmação contínua e apaixonada da identidade nacional. Seu deus não é um objeto de especulação metafísica, mas de uma fé ardente, mais ativa que mística, que coincide, por vezes, com o amor que o homem tem pela comunidade de que é membro.

(CAQUOT, apud ARAÚJO, 1970: 363)

 

 

Na verdade, Sabino Romariz, julgando-se sua obra num bloco, é um poeta simbolista somente até certa parte. Trata-se de um poeta junqueiriano, um admirador de Guerra Junqueiro e, como o fecundo poeta simbolista português, nos admiráveis versos de Os Simples, imanta sua poesia de simbolismo junqueireano. Certamente tanto o poeta de Freixo-de-Espada-a-Cinta como o de Lamma Sabactanni, do Penedo, (de influência latinista), ambos os autores, também trazem feições românticas. Lógico, mais modernos, mais baudelaireanos, portanto, amantes não das boninas do casto e purista romantismo, mas das ambíguas, viciosas Flores do Mal de Charles Baudelaire. Pouco encontrou em sua obra de Parnasianismo, afirma o grande professor, pesquisador e escritor Cassiano Nunes, que também confirma que “o nosso poeta, o autor de Toque D’Alva, é predominantemente romântico, num tom mais oratório que nos lembra o Castro Alves”. A exemplo disso, o poema Terra Morta, onde o poeta tem performer de ator, prenhe de declamações e brados, exclamações, persuasões e vocativos fortes que se comunicam bem e encantam o leitor. Uma vez que o Romantismo foi um movimento complexo, riquíssimo de idéias, um pluralismo de interesses e direções. O Simbolismo foi, em grande parte, uma revivescência do espírito do Romantismo, com um aprofundamento exasperado de certas tendências que surgiram com o Romantismo. Não devemos esquecer que o lado mais relevante e mais intimista, pessoal da obra de Cruz e Souza – a mais genial -, consolidada nos Últimos Sonetos, é um testamento espiritual, mais titanista que simbolista. Nesses sonetos extraordinários, o poeta negro bem como o nosso Sabino, acrescento, está mais próximo de Victor Hugo do que de Mallarmé.

Poetas coetâneos de Sabino Romariz e provincianos como ele apresentavam traços idênticos em sua produção poética. A exemplo, o baiano Pethion de Villar (Egas Moniz Barreto de Aragão), que vagueou pelas escolas poéticas finisseculares. Outrossim, o pai do Simbolismo brasileiro Cruz e Souza vai imantar seu simbolismo com caráter judaico-cristão. Eugênio de Castro, simbolista português de projeção europeia, nota-lhe a falta de unidade de inspiração, e indica-o “ora romântico, ora parnasiano-simbolista”. Fran Pacheco, com mais exatidão, mostra-o “expledente” à moda de Victor Hugo e de Guerra Junqueiro. Indubitavelmente, “tal qual o nosso Sabino Romariz”, acrescenta Cassiano Nunes que ele é simbolista no sentido literalmente religioso, crente no cristianismo, numa visão judaico-cristã, como se fosse a do Sermão da Montanha, que nos lembra que depois desse sofrimento terreno na justiça e no amor cristão, há-de-vir como recompensa o paraíso aos justos, pobres de espírito, puros de coração, misericordiosos… A “Nova Jerusalém futura”. Canta então o poeta, acreditando cristãmente que o sofrimento tem o objetivo de purificar a alma:

 

E de penas para penas/As nossas almas serenas/Vão se tornando verbenas/Da Nova Jerusalém.  (ROMARIZ, apud NUNES, 1992, p.23).

 

Versos estes que nos lembram a visão figural a que alude Auerbach, que se refere ao sentido de sagrado que envolve o texto bíblico. Por outro lado, como a história de Cristo foi pautada por um intenso sofrimento, a referência ao outro mundo possível instaura-se como necessidade e compensação. No livro Dante (poeta do mundo secular) (1997), Auerbach registra que

 

A história de Cristo é mais que a parusia do logos, mais do que a manifestação da idéia. Nela, a idéia é sujeita ao caráter problemático e à injustiça desesperada do acontecimento terreno. […] Este mundo só tem sentido com referência ao outro, futuro; em si mesmo é um tormento e um disparate. Mas esse caráter de além-túmulo da justiça em nada diminuirá […] o valor do destino terreno do homem. (op. cit.: 27)

 

Sempre se vê em sua poesia caracteres judaico-cristãos, onde neles podemos captar e extrair o conteúdo imaterial simbolista, que nos remete aos poemas do saudoso Alphonsus de Guimarães, autor de Kiriale, de Centenário das Dores de Nossa Senhora, entre outros, de caráter extremamente religioso e até Mariano; como se seus textos nos parecessem uma inter-textualidade, em que outros autores  desfilassem, num sub-consciente coletivo, intensamente floral. Em que flores multivariadas vão perpassando-lhe a poesia: jasmins, lírios, verbenas, crisântemos, edelvais alpinas, lótus, girassóis, rosas vermelhas e brancas, açucenas… Cores e luzes são os principais elementos estéticos que freqüentam essas páginas, ansiosas da realização da Beleza. Poemas curtos e longos, prenhes de sinestesias (amálgama de sensações), musicalidade, valorização exacerbada do branco, utilização dos sonetos, rimas ricas, aliterações (repetição de vogais e de consoantes para causar sugestivos sons), misticismos, próprios do estilo em questão. A exemplo disso, uma infinidade de excertos retirados de textos poéticos do autor de Penedo. Os lírios são as flores preferidas; assim podemos ver em O Lírio, poema curto de viés parnasiano/simbolista, onde se sobressaem mais a arte pela arte e a religiosidade musical do que a supervalorização do conteúdo.

 

 

“O lírio era uma flor imaculada/ Casta como o sorriso de Maria,

De uma alvura tal que parecia/ter sido feito de hóstia consagrada.”

 

 

Essa plasticidade do poeta de sair de longos poemas de tese e voltar-se para sonetos belos e melancólicos, demonstrou o domínio material e verbal que detinha; desde Petrarca, grande sonetista italiano, até Cláudio Manuel da Costa e Silva Alvarenga, brasileiros, no século XVII, onde essa forma se manteve constante. Curta, bela, leve e extremamente comunicativa, o soneto sobreviveu, pois agradou não somente a segmentos que estavam de acordo com o público e a crítica. Nessa trajetória de metamorfoses, a linguagem conflituosa, prenhe de metaforizações, torna-se amena em Sabino Romariz, que bebendo em fontes antigas e novas, ecoa a voz de Olavo Bilac, com quem conviveu no Rio de Janeiro; como sonetista de qualidade é exemplar nesse estilo tão recorrente na época. Os temas mais prediletos são: o lírico/amoroso, a passagem do tempo, a obsessão antiga dos artistas, essencialmente os de tradição judaico-cristã. Ou ainda na mesma linha, a mensagem judaico-cristã embutida nas metáforas das açucenas:

 

 

Dentro do triste Vale das penas/De onde algum dia mil açucenas,

Hão de viscosas ressuscitar. (op. cit. p. 24)

 

 

Romariz, de igual modo que o simbolista Alphonsus de Guimarães, não esquece o crisântemo:

 

Porque tu vais mudar, oh milagre supremo!

Quimicamente um cancro em puro crisântemo. (op. cit. p. 25)

 

 

Bem como a admiração do poeta pelo branco e pelo azul por meio do branco jasmim e outras flores e objetos azuis, a exemplo:

 

Traz consigo aquela mística brancura,

de um jasmim nevado, que o rocio apura. (op. cit. p. 24)

 

Ou ainda:

 

Nas ondas do cetim azul do seu divã, /Deitada a meditar a linda cortesã

A mais mimosa flor de toda a Palestina./Tu és o lago azul por onde ela desliza.

Que habitou no casul d’uma simples semente/Dos trigais e foi flor como o diamante azul. (op. cit. p. 26)

 

Por isso enfatizar a contribuição retórica da bíblia na cultura ocidental. De um jeito ou d’outro, nossos autores, em grande quantidade sofreram tal influência, principalmente nossos poetas barrocos, simbolistas e até modernos. Vera Romariz comenta num de seus artigos que

 

“a contribuição retórica da Bíblia à cultura ocidental que, no século XIX teve seu precursor em Chateaubriand, foi aprofundada em 1946 por Erich Auerbach e, em 1982, por Northrop Frye. Chateaubriand, já em 1800, discutia a contribuição retórica da Bíblia à arte literária. Na quinta parte do livro Le génie du Christianisme (1899), discorre sobre a bíblia e Homero; o escritor francês relaciona três estilos bíblicos. O primeiro deles seria o histórico “tal como o do Genesis, Deuterônimo e Jó” (306); o segundo é o da poesia sagrada dos salmos, profetas e tratados morais, enquanto o do terceiro é o estilo dos evangelhos. Mas a contribuição antecipadora de Chateaubriand é a de ter lembrado a relação inversa que se estabeleceu, na Bíblia, entre a simplicidade do discurso e a grandeza dos fatos narrados; muitos anos depois, Erich Auerbach ampliará esse aspecto em seu livro Mimesis, vendo-o como fator decisivo para a queda do tom retórico clássico.           O livro de Northrop Frye sobre o aproveitamento literário do texto bíblico – Le grand code: la bible et la littérature (1984)[2] – centra-se na contribuição retórica que o documento religioso faz ao imaginário ocidental. (op. cit. 03)

 

Além disso, a segunda parte final de sua produção, o poeta vai sofrer mais diretamente a influência dum kardecismo melhorado.

 

Nada nos poderá desligar à amálgama.

Porque o amor nos atrai e um par’outro nos chama. (“Amor”, op. cit. p. 19)

 

Segundo Cassiano Nunes ainda, parece-lhe que o poeta de Alagoas deve ser visto como um mero representante do espiritismo kardecista. Ele acreditou na onipotência da harmonia dos mundos. Não foi meramente anti-clericalismo, posição tão típica desse tempo no Brasil, que o levou a escrever em prosa o seguinte:

 

Contra o antropomorfismo de um deus-Trovão e dos semideuses de báculo e tiara, ergue-se o estandarte branco da Luz e da Igualdade Espiritual ante todos os invioláveis princípios Imutáveis da Natureza. (SABINO, apud NUNES, 1992 p. 20)

 

Sabino Romariz é um tanto quanto otimista em sua concepção evolucionista não-ateu, mas teocêntrico.

 

“É preciso que tudo em matéria transmigre, que o Cosmos evolua”.  (“Em Alma”, op. cit. p. 125)

 

Ao contrário do paraíbano materialista, autor de Eu, Augusto dos Anjos, a presença de Deus é constante na poesia de Romariz, que chega até a parecer um panteísta em:

 

“eu fico a meditar, impassível e mudo, / a ver Deus n’alma e a ver Deus através de tudo.”  (“Toque D’Alva”, op. cit. p. 21)

 

No belo poema Minha Estrela, poema messiânico, posteriormente musicado, o poeta expressa essa visão comovente e romântica do artista, a ilusão romântica do poeta sentir-se semi-deus; uma espécie de beleza que sobrevive das ruínas, qual Baudelaire em Paris, melancólico ante ao advento da modernização, que excluía intelectuais e menos favorecidos. Uma das obras-primas do poeta:

 

Sou pobre de afetos, órfão de carinhos/Não tenho amor sequer de ninguém/Eu tenho uma estrela radiante de artista/Eu tenho uma glória que muitos não têm. (“Minha Estrela”, op. cit. p. 22)

 

Há também uma persuasão pelo sentimentalismo, o comover pelo patético, que foi uma reação do subjetivismo à objetividade clássica mais contida; categoria relevante na literatura e arte ocidentais, que colocava em primeiro plano a pessoalidade do sujeito, com suas contradições, misérias e grandezas. E essa tendência teve no modelo cristão uma referência, em que a paixão e morte do homem Cristo, com sua trajetória de altos e baixos, que culminou com a sua ressurreição, motivou esse movimento de queda e saltos, sem linearidade, tão humano, pois, contraditório.  A queda e o pecado talvez tenham sido imagens que mais essa tradição, judaico-cristã influenciou. Poder-se-ia até dizer que essa dignidade atribuída ao sofrimento foi um valor dessa tradição de que a arte se apropriou de forma intensa.

Há dois poemas longos do autor em que neles há, nitidamente, a admiração pelas teses científicas e kardecistas, uma crença inabalável no destino humano, onde funde valores religiosos e históricos, imagens cristãs e gregas; onde líderes como Napoleão Bonaparte, discorrendo sobre o antropocentrismo, em que guarda apesar das distinções de pátria e de credo certa unidade: a sobrevivência do espírito, além da influência judaico-cristã embutida como conteúdo imaterial simbolista direta, indiretamente em sua poesia, a exemplo:

 

E vi-te no calvário em cima duma cruz

Olhar nos céus, o corpo em sangue, os membros nus. (“Homem”, op. cit. p. 113)

 

Havemos de convir que Romariz, como outros brasileiros, outrossim sofrera outras influências, até que levemente do parnasianismo, quando entra em convergência com muitas outras, estrangeiras,  e presta, no entanto, preito à Grécia pagã, fazendo pensar no helenismo de Raul de Leoni:

 

Nem te lembravas mais do copo de cicuta/ que na Grécia bebeste.

E a Grécia te bendiz/ na tua doutrina imortal e feliz. (“Homem”, op. cit. p. 114)

 

Sabino mantém domínio de linguagem poética; mais comunicativo nos poemas mais curtos, conferindo assim um ritmo mais rápido nele. Aristóteles chamava essa qualidade literária de adequação e coesão e o escritor peruano Mario Vargas Llosa chamou de necessidade, sem deixar de utilizar o termo coesão, como significado interno, ou os vasos comunicantes de uma obra de arte, em que cada parte é importante em relação ao todo. Mais longo nos poemas bíblicos, discutindo verdades bíblicas ou históricas; lentos, propícios à reflexão, como na música: nos ritmos rápidos os mais alegres, nos mais lentos, ou mais tristes. Sai-se tão bem quanto Renoir com seus pincéis na pintura, dominando o verso com habilidade e tranquilidade, num verdadeiro ir-e-vir filosófico, onde o artista e sua obra renovam-se a cada dia, fugindo dos estereótipos, de lugares-comuns. Qual Telêmaco, na Odisséia de Ulisses, a dizer à mãe que “quanto mais se canta, mais novo se torna o cantar”.

Defender academicamente Sabino Romariz, nosso poeta-maior além de ser uma honra para mim, num contexto histórico em que comemoramos o centenário de sua morte, momento histórico para Penedo, para Alagoas e para o Brasil, foi/é algo de extremo labor intelectual, bem como de incomensurável prazer, não só pelo fato de estudar e pesquisar um dos pilares da poesia alagoana do século XIX, bem como um resgate de nossos valores do passado, num flashback ou rememorização relevantes, na releitura de um dos poetas de linguagem e tino mais perspicazes de seu/de nosso tempo, como testemunha ocular de um passado glorioso, bem como alvo de uma contribuição para o presente histórico e para as gerações futuras, para uma posteridade que virá com certeza e que precisa indubitavelmente e interminavelmente do estudo profundo de sua/de nossa história, além do conhecimento/reconhecimento de um legado deixado por homens que, incansáveis, heróicos, bravamente construíram, como ele e outros, sangrando, sua/nossa história pelos caminhos e descaminhos da Literatura, como meio de reconstrução de sua felicidade por meio de seus abismos, labirintos literários… As veredas íngremes, sinuosas do mundo das letras.

 

SABINO ROMARIZ – A ESTRELA MAIOR DO PENEDO

 

Prezados senhores (as),

 

O que nos interessa com esse árduo, dedicado trabalho é que em nome de uma coletividade e de um legado deixado às gerações presentes e futuras, à posteridade que indubitavelmente virá, sejamos resistentes, à tentativa do resgate de sua obra, ante o pouco do que lhe foi salvo em busca de sua produção artística pelos Brasis espalhada, e que deve ser, de uma forma ou de outra, não somente resgatada, como transmutada em objeto de estudo acadêmico; e que, outrossim façamos uma avaliação e até uma reavaliação, bem como uma apologia honesta, justa e sensata de tal legado cultural-histórico-poético.

Sabino Romariz é, sem dúvida, um dos mais inspirados e fecundos poetas que foi gerado pelo burgo alagoano. Foi graças ao poeta que Penedo, considerada há muito como “o berço da cultura alagoana”, viu, no acender de lamparinas deste século que passou, (limiar do século XX) a intelectualidade exaltar nossa poesia alagoana, graças à pena de Sabino Romariz, poeta que ora desejo não só fazer apologia, rememorizar, bem como pesquisar sua obra, no intuito de deixar-lhe a memória cada vez mais nítida e viva. Graças a ele, não somente Penedo, como Alagoas como um todo, havia, nos rincões por esses Brasis afora, conquistado um lugar definitivo no Parnaso. E agora, transcorridos cem anos de seu desaparecimento, urge pesquisá-lo. Portanto, há inumeráveis motivos para tal, uma vez que se faz mister fazer exaustivas pesquisas, como prova de amor e de reconhecimento não só à arte alagoana, mas como um justo resgate daquilo que a fogueira e o esquecimento trataram de relegar a um segundo plano: nosso maior patrimônio: nossa herança cultural.

Portanto, não se trata somente do resgate de uma biografia, bem como da reconstrução de um patrimônio histórico e literário de relevância considerável. Afinal de contas, trata-se de um vate que, em seu tempo destacou-se de modos a granjear aplausos e a apologia de nomes renomados da literatura brasileira como Coelho Neto, José do Patrocínio, Olavo Bilac, Guimarães Passos, dentre outros intelectuais e artistas consagrados, que deixaram como legado cultural e literário, sua obra cristalizada para a posteridade não só de agora como de incontáveis dias futuros; além de elogios de seus conterrâneos, não só coetâneos como os de sempre, amantes da boa literatura e da boa arte brasileiras. Muito Obrigado.

 

7. Referências Bibliográficas

 

01. A – LIVROS: ARAUJO, Vera Lúcia Romariz Correia de. Palavras de deuses, Memória de Homens; Diálogo de Culturas na Ficção de Adonias Filho. Maceió: EDUFAL, 2000.

02. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso, Rio de Janeiro, Brasiliense, 2004.

03. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

03. NUNES, Cassiano. Seleção e Prefácio. Poesias Escolhidas, Sabino Romariz, Coleção Elysio de Carvalho, Casa do Penedo, Penedo – AL, 1992.

04.  AVELAR, Romeu de. Coletânea de Poetas Alagoanos. Maceió, Gráfica Editora Livro S.A., 1959.

05.  BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1983 -1902. 7v.

06.  CERES, Heliônia. Sabino Romariz: Vida e Obra. Maceió, Secretaria de Estado da Educação de Alagoas. Departamento de Assuntos Culturais, 1984.

07.  FREIRE. Laudelino. Sonetos Brasileiros: Coletânea Século XVII-XX. Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1913.

08.  MARROQUIM, Adalberto. Terra das Alagoas. Roma: Maglione & Strini, 1922.

09.  MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978. v. 5 – 1897-1914.

10.  MENDONÇA, José Romariz – O Vate: Oração à Mocidade Penedense. Penedo: O Lutador, 1924.

11. MENEZES, Raimundo de. Dicionário Literário Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.

12.  MÉRO, Ernani. Perfil. Maceió, SECON, 1986.

13. MURICY, Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. 2. ed. Brasília; Conselho Federal de Cultura, 1973.2v.

14. ROMARIZ, Sabino. As DuasRosas. Penedo. O lutador. 1907.

15. _________________. Ignis. Penedo: O Nacional, 1908.

16. _________________. Lamma Sabactani. Penedo: s.n., 1903.

17. _________________. Mea Culpa. Penedo: Oficinas Artes Gráficas, 1910.

18. ________________ Toque D’Alva. Lisboa: Tipografia do Anuário Comercial,

19. B – PERIÓDICOS: JUCÁ, Santos. Sabino Romariz: A Poesia de Uma Época. (Revista) Mocidade, v. 9, n. 37-8, jun./jul. 1957.

20.C –  JORNAIS:. O ALAGOANO, Penedo, 21 de jun. 1908.

______________, Penedo, 19 de jun. 1908./______________, Penedo, 23 de jul. 1908/______________, Penedo, 06 de set. 1908./______________, Penedo, 27 de set. 1908./CORREIO DE MACEIÓ *, Maceió, 24 de jan. 1908./______________, Maceió, 5 mar. 1908./______________, Maceió, 15 abr. 1908./______________, Maceió, 24 abr. 1908./______________, Maceió, 28 abr. 1908/______________, Maceió, 30 abr./ 01 de mai. 1908.

[1] Não desconhecemos a importância dos manuscritos do Mar Morto – descobertos em 1947 –, que revisam as relações entre o Judaísmo e o Cristianismo e rediscutem a figura histórica de Cristo. Julgamos, no entanto, que para integrarem a tradição serão necessários anos de contato com os povos envolvidos e análises acuradas.
[2] O livro de Frye, ainda sem tradução em língua portuguesa, privilegia o nível retórico em detrimento das condições histórico-sociais; na obra de Erich Auerbach – Mimesis, inverte-se a perspectiva, aparecendo o nível retórico como expressão do contexto sócio-histórico que subsidia as narrativas literárias, bíblicas e historiográficas. Neste trabalho, utilizamos a tradução francesa, de 1984.

Apologia ao poeta das rosas vermelhas: Maurício Gomes

Embora nascido em Pernambuco, Maurício Gomes, no entanto, elegeu voluntária e efetivamente seu berço natal a nossa querida, a nossa tão amada Penedo, burgo e cemitério alagoano de grandes poetas, onde fincou domicílio desde 1956, quando aqui aportou seu barco.

Autodidata, voluntariamente dedicado às letras, humanista, com extremo domínio à língua inglesa, de forma que, quando consultado, atendia prontamente já que a usava com extrema elegância e desenvoltura.  Divulgador e incentivador da Cultura em nossa terra, participando efetivamente dos eventos de relevância cultural, além das múltiplas atividades artísticas.

Fundador, juntamente com uma plêiade de entusiastas, da UTAP – União Teatral de Amadores de Penedo.

Ao lado do historiador Ernani Mero integrou o movimento em prol da restauração do Teatro Sete de Setembro, obra de inestimável valor histórico da nossa terrinha, há muito considerada o berço da Cultura alagoana. E em 1963 representou a cidade na organização do 1° Festival de Artes de Penedo.

Lecionou Inglês em conceituados colégios da cidade e na Faculdade de Formação de Professores. Na Emissora Rio São Francisco, criou e apresentou o programa: “A poesia fala ao coração”, evidenciando qualidades de declamador. Ainda na referida emissora ideou e manteve o programa “De tudo um pouco”, em que demonstrou grande versatilidade, pois abordava e debatia temas de interesse generalizado.

Chefiou o setor de Turismo e certames da Prefeitura Municipal em várias gestões e foi merecidamente reconhecido com o título de “cidadão penedense”, outorgado pela Câmara de vereadores local, além de ter sido o conselheiro, amigo pessoal e confrade do prefeito Raimundo Marinho.

O jornal penedense obteve extrema notoriedade quando, durante muito tempo, publicou os poemas do poeta em questão. Não teve em vida obra publicada, senão póstuma, pela Casa do Penedo, que trouxe a lume umas mostras  do lavor poético de Maurício Gomes, publicando Trevas e Alvorada, quarenta e quatro poemas de cunho simbolista que, segundo o próprio Francisco Alberto Sales, diretor da supracitada casa, nele, “capricho formal rima com poesia, além de conter três haicais no melhor estilo japonês”.

Ao percorrer-lhes os versos, o leitor vê-se envolvido numa atmosfera de ordem simbólico-espiritualista que se tornou rara desde o desaparecimento de Cruz e Souza, prócer máximo do simbolismo no Brasil.

Segundo o diretor da casa do Penedo, Francisco Sales, vale frisar que a publicação de tal obra não se trata de favor ao poeta, senão um relevante reconhecimento da qualidade poética expressa por ele em seus poemas, do poeta que ele significa, apologia justa ao penedense adotivo que possui uma meritória página de serviços prestados a nossa terra.

Lembro-me, quando criança brincava, livremente perambulava pela Rua Ulisses Batinga, para mim a “Rua dos poetas de Penedo”, o via passar, meio casmurro, meio sério, altivo, vestido numa indumentária social, terno preto-pérola ou azul-marinho, dirigia-se ao Teatro Sete de Setembro, à Faculdade ou à Prefeitura Municipal, e eu, em pura inocência, pueril que era, nada imaginativo de que, a posteriori, viesse-lhe substituir, ocupar-lhe a cadeira de n° 07, cujo patrono é o nosso poeta-maior Sabino Romariz, ambos de saudosa memória.

Aos domingos lá estava ele, em sua residência, naquela mesma supracitada rua, que também é minha de nascimento e de morada, por longo calendário, até quando bati definitivamente as asas para o mundo; via-o ali, perspicaz, devorando volumes dos mais variados e renomados escritores e poetas europeus, americanos, asiáticos… A exemplo de: Charles Baudelaire, Virgínia Wolff, Ezra Pound, Arthur Rimbaud, T. S. Eliot, Edgar Alan Poe, Omar Kayyam, Drummond, Mário Quintana, Vinícius de Morais, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, dentre outros poetas e exímios escritores do cenário, do estrelato mundial, refúgio do mesmo nos momentos de angústia e de duríssima solidão…

Lembro-me de um poema perdido, em que o poeta homenageava aquela lagoa da minha rua, em cujo o mesmo cantava: “Em minha rua há uma lagoa, toda entremeada de vegetação…”

Poeta de qualidade relevante na época foi escolhido pelo grupo para ocupar a cadeira de n° 07, cujo patrono é o nosso saudoso e genial poeta-maior Sabino Romariz, repito. Poeta assinaladamente simbolista, ambos poetas que deixaram como legado à minha e às gerações futuras, à posteridade que virá com certeza, eloquentes produções literárias, representadas em sua maioria por seus sonetos, que, em seus opúsculos trazem também os traços marcantes da pena do maior arauto, o Cruz e Souza, catarinense, expressão maior de tal vertente no Brasil. Tais sonetos de Maurício Gomes, alguns deles rubros, a exemplo do terceto abaixo:

“Nestes versos, eu sinto, há restos soltos,/De um coração que te ofereço, envoltos,/ Em pétalas manchadas com meu sangue…”

Tais versos além de transportar-nos do espaço geográfico e do tempo cronológico, fazem-nos imergir na angústia do “eu” poético, psicológico. Noutros leva-nos a entrar num vôo do imaginário por meio de metaforizações, em que busca traduzir sua inquietação, seu desassossegado estado anímico, por exemplo: quando homenageia seu filho em “viajante da agonia”, deixa transparecer a angústia própria do ser humano, a lembrar-nos das fogueiras, dos balões juninos, das estrelas do céu noturno como coisas esquecidas:

“E o viajante foi seguindo a esmo/à procura, no mundo, de si mesmo/ de momentos de amor, que foram raros…”

Em “pescador feliz” utiliza de tais metáforas (o mar), para falar-nos d’outro mar misterioso; faze-nos navegar num mar longínquo, escatológico, até, ao anunciar um outro país, como no conto: “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa:

Descansa, agora, o pescador feliz,/No mar misterioso de um país,/Que fica além do azul do infinito…”

Da mesma forma que evoca o branco, ao cantar o ano novo, esperançoso, da mesma forma que seu patrono e agora o meu, a evocar, o primeiro, os lírios, as rosas brancas, e este a cantar-nos as diáfanas brumas:

“Este ano novo de esplendor se empluma,/com diáfanas vestes entre a bruma,/ de um tempo de paz e de esperança.”

Ainda no poema “Grande Mistério”, utiliza-se da metáfora, a sua Rosa, por isso ser denominado de “o poeta das rosas vermelhas”, para indagar acerca da eternidade, do destino da alma, do céu e do inferno, a duvidar até, qual o filósofo que “suspeita da própria suspeita”:

“Falou-me pensativa e pesarosa:/ — Não consegui saber d’alma da Rosa, Ela voltou ao pó de onde veio.”

Em “O Oleiro”, reflete acerca do paciente e terno labor do oleiro, a lembrar-se de Oman Khayyam, a afirmar que o barro “provinha de crânios e de mãos de mendigos”, tal poeta em questão o compara ao Grande Oleiro,  ao Arquiteto do Universo, o criador, e assim nos (en) canta versatilmente:

“Assim o grande Oleiro nos formou/Com sua mão potente transformou/a massa inerme e vil em ser consciente.”

Em “Paisagem Ribeirinha”, introduzido por Garcia Lorca, que fala das punhaladas das estrelas de noite no rio metaforiza as canoas e suas velas, utilizando-se também de prosopopéias, como se elas fossem pessoas “cansadas, tristes, sozinhas, caladas, inertes, adormecidas, embicadas…” Para mim umas de suas obras-primas.

“Mas a força do vento, borboletas douradas:/ Borboletas douradas das ribeiras,/do Rio São Francisco vão, ligeiras,/deslizando nas águas, calmas, frias…”

Ou em Canoas do São Francisco e em Toada do Velho Chico, prossegue com o mesmo sentimento:

“Canoas do São Francisco… Rio amigo,/Quantas lembranças guardarei comigo/dessas lindas paisagens de Penedo.”

Ou ainda:

“Velho rio, minhas mágoas, sepulte no verde mar!”

No poema “Pensamentos alados”, dedicado à filha Marilda, a falar das mãos dele que produzem, cita os versos do saudoso poeta, pastor e profeta D. Helder Câmara que num poema nos adverte:

“Ótimo que tua mão ajude o vôo…/mas que ela jamais se atreva/ a tomar o lugar das asas…”

Num sonetilho fala dum retrato, em primeira pessoa, ensimesmado, liricamente intimista, num tom meio meirelliano:

“Perdi o teu retrato… com ansiedade/saí a procurá-lo pelo chão/Só depois me lembrei que, na verdade,/tinha-o gravado no meu coração.”

É profundissimamente profundo nos três hai-kais bem ao estilo japonês: em “Solilóquio do pessimista”, em “fatuidade” e em “Impiedade”, respectivamente:

“Sentado medito: não sei por que tanto te amei: destino maldito”

“A moça bonita até parece que pisa estrelas no céu”

“Desfolhou o vento a rosa que era tão formosa,/

Sem constrangimento”

Ao referir-se a seus entes queridos e a figuras lendárias da cidade, mergulha-nos, transporta-nos a sentimentos de saudade, de lembranças e de relembranças que não voltam nunca mais! Como na homenagem à figura do popular Pilinha, à sua mãe, à esposa, à filha, respectivamente, vejamos:

“No qual se sente um velho soberano/do mundo que criou, num sonho insano/onde faltando-lhe a luz, falta-lhe a razão.”

“É que sinto no fundo de minh’alma/como foste tão forte, brava e calma,/enfrentando na vida os desenganos.”

“Esses versos são teus, minh’alma sente,/escrevi-os com amor e devoção.”

“Tu és um cisne alegre e venturoso/ no lago azul, profundo a deslizar…/Eu sou um cisne triste e pesaroso/ cansado de sofre e de penar.”

E quando se refere a sua querida Rosa, dá-nos um banho de lirismo, de ternura, bem como de beleza estético-literária, um amálgama de romântico-simbolismo; influências simultâneas de Vinícius de Morais, de Sabino Romariz e de Cruz e Souza, como em “A minha rosa”:

“A minha rosa existe. Sim, existe./ e enfeita minha vida de ilusão.

Nela tocar é uma profanação/ e mesmo um beija-flor nisso não insiste.” Pura poesia.

Nesses e noutros poemas o poeta reproduz estados afetivos, referência ao rio, a elementos comuns da cidade, à fotografia do real psicológico, em tons sugestivos, poéticos, conotativos, musicais, sinestésicos, aliterativos. Não só seus coetâneos tanto quanto a nossa geração e as que virão com certeza. Devemos, portanto, reconhecer o talento de um poeta que, malgrado não tendo aqui nascido, por essas plagas viveu e por elas apaixonou-se perdidamente.  No poema “Igreja da Corrente”, utiliza-se mais uma vez da prosopopéia, personificando-a, como se ela com sua vetusta beleza fosse alguém de carne e osso, a contemplar a outra inata beleza do Rio São Francisco:

“Com suas torres para os céus erguida/quais sentinelas firmes e indormidas/do São Francisco olhando a correnteza.”

No poema “Satânica” o poeta reitera a noção de sensualidade, em imagens metaforizadas; noutros, traça comovidos perfis dessa terra querida a que ele tanto amou, como se fosse sua terra natal. Formas da paisagem ribeirinha ou provinciana retidas, guardadas como ouro puro, diamante raro num cofre, onde todos podem abri-lo: basta folhear as páginas de algum de seus livros publicados, mesmo que póstumos. Poemas apresentados, retirados, catados, colhidos, organizados, aqui, ali e alhures por seu filho, o também poeta, Gomes Filho, em relevante coletânea. Eis uma lírica apologia que eu, de próprio punho o escrevi, um dia após a sua partida deste mundo, poema publicado na Tribuna Penedense no início da década de noventa, intitulado: “Epitáfio ao poeta da minha rua”.

Silêncio e melancolia são o que me restam

No fundo desta noite que encerra o mês de junho

E cala o poeta da minha rua e da minha infância.

O poeta que me embalou os sonhos de criança

Com poemas estampados no rodapé dos jornais da cidade,

“O poeta das rosas vermelhas.“

Hoje meu coração de poeta menor chora, lacrimeja,

Vagueia rua afora ao vê-lo metafisicamente

Cruzar calado a minha rua solitária e triste.

Um caçador de sonhos que se foi, com a madrugada,

Habitar a terra da homogeneidade.

Vou seguindo o meu caminho sinuoso,

Levando minha cruz, erguendo um ramo d’esperança

Ao poeta da minha rua e da minha infância!

Portanto, deixo aqui essa breve, sincera e não mais do que honesta homenagem ao saudoso poeta e confrade Maurício Gomes, de saudosa memória, ao meu antecessor, a ocupar a relevante cadeira de n° 07, agora após tantíssimo tempo ocupada efetivamente por mim, seu predecessor; cujo patrono é o nosso querido, saudoso e genial poeta-maior do Penedo, o digníssimo Sabino Romariz. Faz-se mister frisar que ora os defendo e os rememoro com a alma repleta de incomensurável júbilo; de poder nesse tablado, nessa digníssima tribuna, de maneira digna e respeitosamente representá-los. Muito obrigado.

BIBLIOGRAFIA

GOMES, de Oliveira. Trevas e Alvoradas, Casa do Penedo, Penedo – AL, 1992.

O legado que nossa mãe nos deixara

(Para minha genitora Maria Santana Rocha (Dona Celsa))* 15.07.1930 + 23.02.2012)

(Prof. Luciano Santana Rocha, poeta e contista penedense, ocupante da cadeira de número 07 da APLACC)

Só um romance descreveria a trajetória árdua, contudo feliz de minha mãe. Nasceu em Simão Dias-SE e veio habitar em Penedo nos anos idos de 1950, após ter conhecido meu pai, Manoel Sabino Rocha, popularmente conhecido como Sr. Né, terceiro franciscano, homem despojado de vaidades, trabalhador honesto, de boa índole. O conheceu quando o mesmo foi restaurar juntamente com o Mestre Antônio Pedro dos Santos, de saudosa memória, a matriz de Nossa Senhora de Santana em Simão Dias, no sertão sergipano.

Passou a vida inteirinha dedicada aos filhos, ao marido e às pessoas a sua volta, fossem as da rua, as da comunidade eclesial, no convento de Santa Maria dos Anjos, na vetusta Penedo, cidade histórica, às margens do Rio São Francisco. Lembro-me, quando pequenote, a gente encrencava na rua, que alguma vizinha corria, num bater de pestanas, e ia reclamar que um de nós havia discutido com um de seus filhos ou o xingado. Naquele instante, antevendo tudo, sabiamente ela respondia: “Deixe os meninos, mulher! Hoje eles encrencam e amanhã estarão de mãos dadas. Criança é assim mesmo. Nós adultos é que não podemos viver de mal- querências, criatura!” E assim ela ia resolvendo pragmaticamente os problemas da vida. Quando alguém lá em casa achava um objeto perdido, digamos assim, um relógio, outro qualquer, ela procurava saber onde foi e como foi o ocorrido. Se de casa saíamos para algum lugar, se íamos a alguma festa, distintamente dos dias de hoje, quando a maioria cria seus filhos à toa, avisávamos com quem andávamos e quando voltaríamos. Em suma, não vivíamos na permissividade moderna. Não havia internet, mas mesmo assim, fazia-se mister o controle. Lembro-me de quando ela afirmava “que para ser feliz não seria preciso ter que ter riquezas e bens, e que para tal bastava a pessoa amar e respeitar o direito dos outros não só de ir-e-vir, mas sobretudo de viver e de se ter múltiplas escolhas.” Sem necessariamente ser uma mulher culta, erudita, minha mãe tinha em si as sensibilidade e sabedoria que aprendera na vida, na convivência diária, no ideal do Poverello de Assis.

Quando alguém emudecia depressivo ou prostrava-se doente, ali estava definitivamente ela, de mangas arregaçadas para ajudar e só saía dali quando a pessoa restabelecia a saúde. Passasse pelo que passasse nunca a vi de mau-humor, ruminando, reclamando da vida; pelo contrário resignadamente afirmava: “Deus proverá”. E assim prosseguia, acordando no alvor das madrugadas ou debaixo daquelas chuvas torrenciais para de nós prontamente cuidar, arrumar-nos para a escola, fazer-nos o café matutino em seu fogão de carvão e muitas vezes até de lenha. Criou-nos na honestidade e sempre nos aconselhava. “Meus filhos, certo vive, quem certo anda”. “Quem o bem fizer, pra si lhe é”, “Diga-me com quem tu andas que eu te direi quem és”, entre outros inumeráveis adágios e conselhos.

Relembro ainda quando de casa saía que eu, um dos mais a ela apegados, lhe indagava qual o seu itinerário, e ela me respondia com um sorriso meigo e franco: “vou com as irmãs da Ordem levar a comida dos presidiários”. Noutro dia: “Vou visitar a irmã Judite que está doente e depois os idosos no Lar de São José e de São Vicente de Paula”. Ou ainda: “Vou com o pessoal para a campanha solidária em prol das crianças carentes do Alto da Pólvora.” Que legado este que nossa nos deixara! O da justiça e o da compaixão e acolhimento para com quem sofre! Por isso mesmo, mais do que merecido o poema póstumo, por mim composto no dia de sua partida para a terra da hogeneidade:

DESPEDIDA PARA MINHA MÃE

Relembro ainda e além de tudo a minha infância
Vivida pelos campos, pelos prados da vetusta Penedo.
Por aqueles becos, por aquelas ladeiras, mansas plagas,
Sob os afagos de minha mãe, sob seus ternos beijos…

Certo dia cresci, pro mundo bati estrada e depois
Regressei pro meu regaço, para as flores de minha janela.
Doirava um sol loirinho, não me esqueço de nada,
Nem dos conselhos de minha musa, dos doces beijos dela.

Hoje, homem feito vejo, choro e obviamente lamento
Minha bem-amada partir numa tarde de desencanto.
Contudo, na dor, junto a meus irmãos eis o desejo:

De, quiçá, um dia encontrarmo-nos paradisiacamente juntos
Numa eternidade de glória, de luz, de puro encanto,
Sem mais dores nem saudades, sem mais nenhum tormento.

Enfim, fica para nós seus dez filhos, seus rebentos, o mais puro e digno exemplo de alegria na pobreza, justiça no relacionamento social, acolhimento aos menos-favorecidos, simplicidade e humildade, paciência no sofrimento, disposição para o trabalho e, acima de tudo, de decência, partilha, luta por um mundo mais justo. E como retribuição, a partida com a consciência traquila de que se lhe cumpriu a missão dada por Deus. Passar por esse mundo e nada dele levar senão um espírito vivido na plena paz e no sumo bem.