Fragmento

………………………………. Março;

Um perfume oriental pelos ares esparso,

Céu azul, muita luz, muita flor, muito aroma.

No horizonte visual o sol cantando assoma

Epopeias que são substâncias dos mundos

– Oiro, fogo, cristais refulgentes, jocundos,

Como Deus a sorrir.

 

Nas aleias um sonho

Palpitante, assim como um noivado risonho,

Uma vida serena, uma idade feliz

– O noivo um rouxinol, a noiva a flor de lis.

Coro de aves ao longe, harpejando em surdina,

Melodias talvez de uma canção divina

A um dos lados além cortinados desata,

De levantina azul com filetes de prata,

A cachoeira irisada a pérolas, diamantes,

Esmeraldas, rubis, para os brancos amantes,

Que vão casar, que vão gozar, que vão dormir

E sonhar ilusões de um ditoso porvir.

Sonhar, como à feição dos noivos, é preciso,

Que sempre hão de viver dentro de um paraíso,

Sem conhecer, sequer, no seu viver sereno

A lágrima que tem o sabor do veneno,

Que fulmina a alegria e o sorriso destrói,

E mata a mocidade e mata o ardor do herói.

 

Esvoaçavam no espaço as nuvens erradias,

Dando vasa a seis mil expansões de alegrias.

Borboletas azuis viam-se aqui e ali.

A’s oito da manhã desse dia eu nasci.

 

Alegria dos pais, o pobre pequenino,

Vagindo, penetrou nas raias do destino,

O espírito compresso entre a carne sofria;

E, por esse motivo, pequena, a agonia

Encarnada, chorava, enquanto a mãe ao vê-la

Transformava-se em luz, em sorrisos, em estrela;

 

– Desdobramento ideal do seu EU, essa criança

Havia de a levar mais do que a vista alcança,

Nas asas que iam ser (pobre mãe adorada!)

Todas feitas de céus com plumas de alvorada.

Asas-crânio, asas-sóis, asas-astro, asas-rosas,

Voo azul de condor em paragens ditosas,

Voo-eterna invasão, voo-arrojo infinito,

Voo-repercussão de extraordinário grito;

Soberano do ideal, voo-verdade eterna

– Estrela que se fez de um chispar de luzerna,

Verbo de Mirabeau, e palhetas de Giotto,

Aura de amor e paz, cabeça deslumbrante,

Contendo toda a luz das poesias do Dante

E inspirações talvez maiores que Bellini,

– Meteoro que refulge e bronze que retine,

Espoucar de trovões, herói, gigante, artista,

Tudo quanto do que é mais ordinário dista

E que está muito mais elevado que os reis,

Fui para minha mãe,

 

E nada sou,

Sabeis.

 

*Poema incluído no opúsculo “Romariz, O Vate – Oração à Mocidade Penedense”, de José Mendonça; segundo Mendonça, o texto acima “abria o livro intitulado ‘Eleison’, em preparo quando o vate morreu”.

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