Epitáfio a um poeta da minha Academia

( À memória do confrade Marcelino Cantalice da Trindade)

Por Luciano Santana Rocha

Salve, meu poeta!
Escreve agora as tuas poesia-prosa noutras plagas!
Não te escrevo um poema. Poesia neste azado momento d’escuro é fruto em extinção! Senão um recado regado a lágrimas e a saudades num chão onde há-de brotar um verde ramo da mais louca e bela esperança!
Se num quarto escuro da solidão e da dor ficaste no limiar de teus dias neste mundo, confrade, Santa Maria del Angelus há-de acender-te as lamparinas de la eternidad!
Prossegue, meu poeta, guardião da Academia! Prossegue no uniforme voo dessas garças brancas nestas tardes desse doce amargo julho e resguarda a nossa pax et spes!

 

Salve, Marcelino!

Por Luciano Santana Rocha

Salve, meu poeta! Solidário peregrino,

Solitário viajante, menestrel, da Paraíba rebento!

Enamorado das Alagoas, da bela moça Penedo.

Visionário, missionário da santa e louca palavra!

 

Salve a tua santa ira, saltimbanco, o teu evangélico proclama!

A tua prudência-silêncio de pedra pura,

As tuas gêmeas siamesas prosa/poesia!

Irmanadas às minhas, sopro de fúria de poeta-homem-menino.

 

Prossegue avante, velho camarada,

Passo-a-passo em tua estrada, em teu vôo de pássaro

Resistência do velho Chico pelo alvor das manhãs e do poema.

O teu freio às vezes aos meus grito e canção desesperados

De mil e uma noites adentro, em meio a esta nefasta escuridão!

Salve, nobre poeta! Que daqui eu te saúdo e estendo-te mil e uma páginas do Cancioneiro Nordestino, meu (com)frade eterno!

Prossegue, ainda que taciturno nos passos e na voz, não no sonho;

Não no louco sonho pelas iluminadas auroras que hão de vir

Sobre nós e nossos filhos.

Que o teu coração insista em bater por mil e um anos, camarada!

Que brade o teu repicar de sino bronzeado de sol e de luar,

Às matinas de Santa Maria del Angelus do Penedo!

Carpe diem, homine!

Vive vitam, homine!

E recebe este meu ramo verde d’esperanças,

Esta singela e tão doce apologia enquanto ainda palmilhas

Longínquas veredas, guardião-mor da academia!

Enquanto perambulas, menino teimoso,

Por esse vasto e louco mundo sedento do amor de Deus.

 

Recebe enfim ao ouvido este verso-canção, esta sagrada oferenda,

Esta carta-melodia, gomo de fruto dócil, puro eco e sentimento,

Partitura da uníssona canção daqueles que te amam!

Fragmento

………………………………. Março;

Um perfume oriental pelos ares esparso,

Céu azul, muita luz, muita flor, muito aroma.

No horizonte visual o sol cantando assoma

Epopeias que são substâncias dos mundos

– Oiro, fogo, cristais refulgentes, jocundos,

Como Deus a sorrir.

 

Nas aleias um sonho

Palpitante, assim como um noivado risonho,

Uma vida serena, uma idade feliz

– O noivo um rouxinol, a noiva a flor de lis.

Coro de aves ao longe, harpejando em surdina,

Melodias talvez de uma canção divina

A um dos lados além cortinados desata,

De levantina azul com filetes de prata,

A cachoeira irisada a pérolas, diamantes,

Esmeraldas, rubis, para os brancos amantes,

Que vão casar, que vão gozar, que vão dormir

E sonhar ilusões de um ditoso porvir.

Sonhar, como à feição dos noivos, é preciso,

Que sempre hão de viver dentro de um paraíso,

Sem conhecer, sequer, no seu viver sereno

A lágrima que tem o sabor do veneno,

Que fulmina a alegria e o sorriso destrói,

E mata a mocidade e mata o ardor do herói.

 

Esvoaçavam no espaço as nuvens erradias,

Dando vasa a seis mil expansões de alegrias.

Borboletas azuis viam-se aqui e ali.

A’s oito da manhã desse dia eu nasci.

 

Alegria dos pais, o pobre pequenino,

Vagindo, penetrou nas raias do destino,

O espírito compresso entre a carne sofria;

E, por esse motivo, pequena, a agonia

Encarnada, chorava, enquanto a mãe ao vê-la

Transformava-se em luz, em sorrisos, em estrela;

 

– Desdobramento ideal do seu EU, essa criança

Havia de a levar mais do que a vista alcança,

Nas asas que iam ser (pobre mãe adorada!)

Todas feitas de céus com plumas de alvorada.

Asas-crânio, asas-sóis, asas-astro, asas-rosas,

Voo azul de condor em paragens ditosas,

Voo-eterna invasão, voo-arrojo infinito,

Voo-repercussão de extraordinário grito;

Soberano do ideal, voo-verdade eterna

– Estrela que se fez de um chispar de luzerna,

Verbo de Mirabeau, e palhetas de Giotto,

Aura de amor e paz, cabeça deslumbrante,

Contendo toda a luz das poesias do Dante

E inspirações talvez maiores que Bellini,

– Meteoro que refulge e bronze que retine,

Espoucar de trovões, herói, gigante, artista,

Tudo quanto do que é mais ordinário dista

E que está muito mais elevado que os reis,

Fui para minha mãe,

 

E nada sou,

Sabeis.

 

*Poema incluído no opúsculo “Romariz, O Vate – Oração à Mocidade Penedense”, de José Mendonça; segundo Mendonça, o texto acima “abria o livro intitulado ‘Eleison’, em preparo quando o vate morreu”.