A influência judaico-cristã em Sabino Romariz

A influência judaico-cristã em Sabino Romariz — o conteúdo imaterial simbolista:

APOLOGIA AO POETA-MAIOR DO PENEDO (+1913 – 2013)

 

PARTE I – A BIOGRAFIA

Sabino Romariz nasceu em Pendo, Alagoas, a 25 de março de 1873. Filho do poeta João de Almeida Romariz e de Dona Maria de Assunção Romariz, ficou órfão em tenra idade, indo então morar com os avós maternos. Em Penedo passou a infância em fez os primeiros estudos. Aos dezesseis anos vai para Pernambuco estudar, como interno, no Colégio Diocesano de Olinda, onde, em 1890, conclui os estudos preparatórios. Em seguida ingressa no seminário daquela mesma cidade, contudo, por falta de vocação eclesiástica para tal o abandoa a um ano de sua ordenação. Regressa a Alagoas e, em Maceió, torna-se professor de Língua Portuguesa e de Desenho Figurado, além de amanuense da Intendência Muncipal. São dessa época suas primeiras publicações literárias.

Retorna a Olinda-PE e ali leciona as Língua Inglesa e Latina, respectivamente, por um ano. Depois prossegue para Areia – PB, onde leciona Latim e Francês, escreve no jornal “O Democrata” e colabora na folha oficial do Estado. Nessa ocasião publica, em folhetos, duas composições poéticas: As Cordilheiras e Redenção de Judas.

Em 1895 é encontrado do Rio de Janeiro, em meio ao beletrismo de Olavo Bilac, Coelho Neto e Guimarães Passos, Vicente de carvalho, Alberto de Carvalho, Raimundo Correia, dentre outros poetas parnasianos e simbolistas de então. Daí sua estréia na imprensa carioca, com o poemeto lírico-bucólico A Mansinha, que é bem acolhida pela crítica. Sabino passa ali a exercer intensa atividade jornalística, quando passa a escrever para a revista Gênesis, e colabora em diversos jornais da cidade. Entre 1901 e 1902 esteve em São Paulo e Minas Gerais, onde publicou Solidôneos, coletânea de 30 sonetos. Entretanto, foi em sua terra natal, a nossa amada e decantada Penedo, para onde retornou em 1903, que o nosso querido poeta mais produziu. Faleceu em 09 de maio de 1913, deixando expressiva produção literária.

A vida do nosso genial vate alagoano não se resume, evidentemente, nessas poucas linhas. Ocorre que as notícias acerca de sua pessoa são controvérsias e nem sempre seguras, por exemplo, a data de nascimento e a idade em que morreu. Romeu Avelar afirma que ele nasceu em 1871, o que é contestado pelos demais autores, unanimemente, a afirmar que foi em 1873. Segundo a revista Mocidade, Cipriano Jucá engana-se ao escrever que Sabino morreu aos 33 anos, com a mesma idade de Cristo. Quando na verdade teria sido aos quarenta anos. A causa mortis também é controvertida. Para uns decorreu de tuberculose pulmonar, para outros de infecção no fígado provocada pelo excesso de álcool.

Notícia segura é que nasceu e morreu quase na miséria. Foi casado com Aspásia, moça humilde do campo com quem teve dois filhos. De temperamento instável, por vezes acabrunhado, precocemente entregou-se ao vício do alcoolismo, tornando-se um boêmio incorrigível, não obstante culto, deixando em cada lugar por onde passou um pouco de sua poesia e de sua obra. No entanto, não teve preocupação tampouco condição financeira para publicá-la.

Na verdade, o grosso de sua publicação veio a público em jornais tanto no Rio de Janeiro como na Paraíba, além de Maceió e de Penedo, principalmente. Lamentavelmente muito desse material raro perdeu-se. Romeu Avelar afirma que Sabino publicou em O País (RJ) o poema bíblico A Madalena, e uma série de sonetos históricos intitulados Rubros, mas não se sabe onde foram parar. E o que se fez do drama Quixaba, Pela Coragem, Baiuca e do poema heróico Simoun, que teriam sido publicados aqui? O que dizer também dos inéditos poemas Poema Branco e Ímã, este presumivelmente um romance naturalista?

Com inumeráveis indagações sem resposta vê-se que a vida e trajetória do nosso poeta-maior vêm a merecer exaustivas pesquisas, como algumas que já começaram a ser produzidas pelo país, na PUC (SP) e em outras universidades por aí. Não se trata de reconstruir uma biografia, da reconstrução de um patrimônio histórico e literário de considerável valor e relevância, apenas. Afinal, a estrela de Sabino brilhou a ponto de granjear aplausos de renomados intelectuais da antiga capital, a exemplo de José do Patrocínio, que transcreveu o poema A Madalena no jornal Cidade do Rio de Janeiro, além disso colecionou elogios não só de seus conterrâneos como de coetâneos.

Poeta, considerado o “luminar” da Literatura Penedense, que por motivo de preocupação ou por pouquíssima condição sócio-econômica, não foi capaz de reunir e/ou organizar seus poemas em obras. Afora Solidôneos, só editou livros em Penedo, sua/nossa terra natal como: Lama Sabactani (1903), As Duas Rosas (1907), Mea Culpa (1910) e Toque D’Alva (1911), este por editora lisboeta, repito. Mesmo assim, sua produção veio a público em jornais tanto na Paraíba e Rio de Janeiro, como em Maceió e em Penedo. Lamentavelmente, a maioria desse material e /ou acervo literário perdeu-se como o poema bíblico: A Madalena e uma série de poemas históricos intitulados Rubros; contudo ninguém sabe de seu paradeiro. Em muitas delas vê-se nitidamente a influência judaico-cristã, o conteúdo do Sermão da Montanha, que trata das virtudes dos homens e de uma suposta recompensa futura, transcendente.  Noutras, a posteriori, não o baixo, mas o alto kardecismo, que nos faz lembrar a filosofia de Bérgson.

Lendas e exageros à parte, o certo é que dele saía uma Pura Poesia, uma Poesia Pérola, de extrema beleza não só rítmica quanto musical, sugestiva, aliterativa, evolutiva, filosófica, (influência de Bergson), à busca do indefinível, do amálgama das sensações, dando ênfase ao soneto e à perfeição nos versos, à linguagem figurada e apurada (uso de metáforas), mesmo que mescladas à sua cosmovisão espírita, ou judaico-cristã.  Enfim, um poeta místico que fez da LUZ  seu tema primordial, núcleo central de seus cantares.

Muitas indagações se criaram acerca da figura dele e até mitos se construíram em torno de sua poesia e de sua personalidade. Devido a tantas interrogações sem respostas exatas, eis o exato motivo para o estudo apurado, a fim de constatar-se que a vida de nosso poeta em questão merece exaustivas pesquisas nesse intento. De acordo com Ernani Méro, Sabino foi “um gênio da poesia”, certamente pelo fato de que sua produção poética estava, além de eivada de influência judaico-cristã, historicamente falando, prenhe de características não somente românticas, como simbolistas, sem dúvida alguma, influenciado por Junqueira Freire, por Vitor Hugo, por Cruz e Souza (o maior representante dos poetas simbolistas brasileiros). José do Patrocínio transcreveu parcialmente os poemas Madalena e Redenção de Judas no jornal Cidade do Rio de Janeiro. Chegaram a granjear e/ou noticiar em alguns jornais da época o valor e a relevância do vate alagoano, “o luminar” da literatura de Penedo. Segundo o mesmo comentador, José Mendonça afirmava: “Foi um poeta no menor gesto; tudo nele era ritmo”. Adalberto Marroquim também chegou a literalmente afirmar: “Tinha figurações de gênio”. Para Cipriano Jucá, foi o “maior poeta repentista do Brasil”, pois “fazia versos ditando-os quando lhe davam o assunto, sem contrair um músculo da face sequer, sem demorar um segundo a cata da rima”. Reza também uma lenda, sem muita veracidade, levando em conta o poeta ter sido jornalista – de acordo com tal, Sabino Romariz nunca escreveu um poema sequer, tendo toda ou quase toda produção poética ter sido feita improvisada e escrita por mãos de terceiros.

Portanto, urge que além de sua defesa e resgate se pesquise tal poeta não só pela qualidade literária, apesar da escassez de material bibliográfico e pela contingência acerca de novas pesquisas nessa linha que venham a favorecer pesquisadores, referentes a uma época áurea de nossa cultura e de nossa terra no que tange a produção literária de alto nível. Também como meio de estimular a produção cultural e como forma de colaboração à poesia e à cultura alagoanas contemporâneas.   Uma vez que este presente trabalho não faz como alguém já o disse noutro trabalho anterior, por acaso, jus ao nobre talento versejador desse vate alagoano. Antes de tudo é um empenho, no intuito de não só defendê-lo academicamente, como de reunir grande parte de sua obra, como estudá-la, traçar ranhuras que sirvam de paradigmas ou águas divisórias entre a obra do poeta em questão e as características não só românticas, como de caráter parnasiano-simbolista, fruto de influências diversas e contemporâneas do mesmo. Tudo isso, apesar de múltiplas pesquisas que já se esboçaram nesse sentido, foi possível coligir não apenas uma pequena porção e/ou parte de sua produção literária, como aprofundá-la com afinco. Não se trata de um trabalho eminentemente filológico, justo que se trata de uma análise mais eminentemente literária propriamente dita como passo inicial; justamente pelo fato de tratar-se, creio eu, de uma justa apologia referente à poesia de Sabino Romariz, nosso poeta-maior, fato de extrema relevância nesse sentido.


PARTE II – A ANÁLISE LITERÁRIA DE SUA OBRA:

Segundo a Profa. Heliônia Ceres, Fernando Iório, ex-bispo de Palmeira dos Índios – AL, pesquisador e ex-professor doutor da Universidade Federal de Alagoas, ex-presidente da ACAL, de saudosa memória, num estudo profundo sobre o vate penedense assinala sua ligação com o Simbolismo da seguinte forma:

 

As primeiras obras de Sabino vêm ligadas a um tom parnasiano; logo em seguida, depois de libertos da mensuração rígida, assumem seus poemas a feição simbolista, valorizando o ritmo e a expressão indireta. (…) Daí refletir Sabino em sua poesia o subjetivo, o pessoal, o vago, o sugestivo, o religioso, a expressão indireta e simbólica em versos que, não desprezando o metro e a rima, fixam-se especialmente no ritmo, característica do Simbolismo.

(IÓRIO, apud NUNES, 1992, p. 17)

 

 

Quanto ao caráter judaico-cristão de sua poesia, afirma a pesquisadora e digníssina professora Vera Romariz, sua neta:

 

A tradição judaico-cristã teve como primeiro tronco a religião de Israel, documentada pelo Antigo Testamento[1] e pela Torah. O texto bíblico, no entanto, composto por vários autores religiosos e em épocas diversas, aponta para uma conclusão importante: mais que um texto religioso, ele constitui o relato da história do povo judeu em busca da identidade nacional, conforme afirma André Caquot (1970). A cultura judaica dialogou, permanentemente, com os povos vizinhos, o que pode ser inferido da leitura atenta da Bíblia. (CAQUOT, apud ARAÚJO, 1970: 363)

 

Diz ainda a autora supracitada que este documento, então, parece apontar-nos que

 

a religião de Israel foi uma afirmação contínua e apaixonada da identidade nacional. Seu deus não é um objeto de especulação metafísica, mas de uma fé ardente, mais ativa que mística, que coincide, por vezes, com o amor que o homem tem pela comunidade de que é membro.

(CAQUOT, apud ARAÚJO, 1970: 363)

 

 

Na verdade, Sabino Romariz, julgando-se sua obra num bloco, é um poeta simbolista somente até certa parte. Trata-se de um poeta junqueiriano, um admirador de Guerra Junqueiro e, como o fecundo poeta simbolista português, nos admiráveis versos de Os Simples, imanta sua poesia de simbolismo junqueireano. Certamente tanto o poeta de Freixo-de-Espada-a-Cinta como o de Lamma Sabactanni, do Penedo, (de influência latinista), ambos os autores, também trazem feições românticas. Lógico, mais modernos, mais baudelaireanos, portanto, amantes não das boninas do casto e purista romantismo, mas das ambíguas, viciosas Flores do Mal de Charles Baudelaire. Pouco encontrou em sua obra de Parnasianismo, afirma o grande professor, pesquisador e escritor Cassiano Nunes, que também confirma que “o nosso poeta, o autor de Toque D’Alva, é predominantemente romântico, num tom mais oratório que nos lembra o Castro Alves”. A exemplo disso, o poema Terra Morta, onde o poeta tem performer de ator, prenhe de declamações e brados, exclamações, persuasões e vocativos fortes que se comunicam bem e encantam o leitor. Uma vez que o Romantismo foi um movimento complexo, riquíssimo de idéias, um pluralismo de interesses e direções. O Simbolismo foi, em grande parte, uma revivescência do espírito do Romantismo, com um aprofundamento exasperado de certas tendências que surgiram com o Romantismo. Não devemos esquecer que o lado mais relevante e mais intimista, pessoal da obra de Cruz e Souza – a mais genial -, consolidada nos Últimos Sonetos, é um testamento espiritual, mais titanista que simbolista. Nesses sonetos extraordinários, o poeta negro bem como o nosso Sabino, acrescento, está mais próximo de Victor Hugo do que de Mallarmé.

Poetas coetâneos de Sabino Romariz e provincianos como ele apresentavam traços idênticos em sua produção poética. A exemplo, o baiano Pethion de Villar (Egas Moniz Barreto de Aragão), que vagueou pelas escolas poéticas finisseculares. Outrossim, o pai do Simbolismo brasileiro Cruz e Souza vai imantar seu simbolismo com caráter judaico-cristão. Eugênio de Castro, simbolista português de projeção europeia, nota-lhe a falta de unidade de inspiração, e indica-o “ora romântico, ora parnasiano-simbolista”. Fran Pacheco, com mais exatidão, mostra-o “expledente” à moda de Victor Hugo e de Guerra Junqueiro. Indubitavelmente, “tal qual o nosso Sabino Romariz”, acrescenta Cassiano Nunes que ele é simbolista no sentido literalmente religioso, crente no cristianismo, numa visão judaico-cristã, como se fosse a do Sermão da Montanha, que nos lembra que depois desse sofrimento terreno na justiça e no amor cristão, há-de-vir como recompensa o paraíso aos justos, pobres de espírito, puros de coração, misericordiosos… A “Nova Jerusalém futura”. Canta então o poeta, acreditando cristãmente que o sofrimento tem o objetivo de purificar a alma:

 

E de penas para penas/As nossas almas serenas/Vão se tornando verbenas/Da Nova Jerusalém.  (ROMARIZ, apud NUNES, 1992, p.23).

 

Versos estes que nos lembram a visão figural a que alude Auerbach, que se refere ao sentido de sagrado que envolve o texto bíblico. Por outro lado, como a história de Cristo foi pautada por um intenso sofrimento, a referência ao outro mundo possível instaura-se como necessidade e compensação. No livro Dante (poeta do mundo secular) (1997), Auerbach registra que

 

A história de Cristo é mais que a parusia do logos, mais do que a manifestação da idéia. Nela, a idéia é sujeita ao caráter problemático e à injustiça desesperada do acontecimento terreno. […] Este mundo só tem sentido com referência ao outro, futuro; em si mesmo é um tormento e um disparate. Mas esse caráter de além-túmulo da justiça em nada diminuirá […] o valor do destino terreno do homem. (op. cit.: 27)

 

Sempre se vê em sua poesia caracteres judaico-cristãos, onde neles podemos captar e extrair o conteúdo imaterial simbolista, que nos remete aos poemas do saudoso Alphonsus de Guimarães, autor de Kiriale, de Centenário das Dores de Nossa Senhora, entre outros, de caráter extremamente religioso e até Mariano; como se seus textos nos parecessem uma inter-textualidade, em que outros autores  desfilassem, num sub-consciente coletivo, intensamente floral. Em que flores multivariadas vão perpassando-lhe a poesia: jasmins, lírios, verbenas, crisântemos, edelvais alpinas, lótus, girassóis, rosas vermelhas e brancas, açucenas… Cores e luzes são os principais elementos estéticos que freqüentam essas páginas, ansiosas da realização da Beleza. Poemas curtos e longos, prenhes de sinestesias (amálgama de sensações), musicalidade, valorização exacerbada do branco, utilização dos sonetos, rimas ricas, aliterações (repetição de vogais e de consoantes para causar sugestivos sons), misticismos, próprios do estilo em questão. A exemplo disso, uma infinidade de excertos retirados de textos poéticos do autor de Penedo. Os lírios são as flores preferidas; assim podemos ver em O Lírio, poema curto de viés parnasiano/simbolista, onde se sobressaem mais a arte pela arte e a religiosidade musical do que a supervalorização do conteúdo.

 

 

“O lírio era uma flor imaculada/ Casta como o sorriso de Maria,

De uma alvura tal que parecia/ter sido feito de hóstia consagrada.”

 

 

Essa plasticidade do poeta de sair de longos poemas de tese e voltar-se para sonetos belos e melancólicos, demonstrou o domínio material e verbal que detinha; desde Petrarca, grande sonetista italiano, até Cláudio Manuel da Costa e Silva Alvarenga, brasileiros, no século XVII, onde essa forma se manteve constante. Curta, bela, leve e extremamente comunicativa, o soneto sobreviveu, pois agradou não somente a segmentos que estavam de acordo com o público e a crítica. Nessa trajetória de metamorfoses, a linguagem conflituosa, prenhe de metaforizações, torna-se amena em Sabino Romariz, que bebendo em fontes antigas e novas, ecoa a voz de Olavo Bilac, com quem conviveu no Rio de Janeiro; como sonetista de qualidade é exemplar nesse estilo tão recorrente na época. Os temas mais prediletos são: o lírico/amoroso, a passagem do tempo, a obsessão antiga dos artistas, essencialmente os de tradição judaico-cristã. Ou ainda na mesma linha, a mensagem judaico-cristã embutida nas metáforas das açucenas:

 

 

Dentro do triste Vale das penas/De onde algum dia mil açucenas,

Hão de viscosas ressuscitar. (op. cit. p. 24)

 

 

Romariz, de igual modo que o simbolista Alphonsus de Guimarães, não esquece o crisântemo:

 

Porque tu vais mudar, oh milagre supremo!

Quimicamente um cancro em puro crisântemo. (op. cit. p. 25)

 

 

Bem como a admiração do poeta pelo branco e pelo azul por meio do branco jasmim e outras flores e objetos azuis, a exemplo:

 

Traz consigo aquela mística brancura,

de um jasmim nevado, que o rocio apura. (op. cit. p. 24)

 

Ou ainda:

 

Nas ondas do cetim azul do seu divã, /Deitada a meditar a linda cortesã

A mais mimosa flor de toda a Palestina./Tu és o lago azul por onde ela desliza.

Que habitou no casul d’uma simples semente/Dos trigais e foi flor como o diamante azul. (op. cit. p. 26)

 

Por isso enfatizar a contribuição retórica da bíblia na cultura ocidental. De um jeito ou d’outro, nossos autores, em grande quantidade sofreram tal influência, principalmente nossos poetas barrocos, simbolistas e até modernos. Vera Romariz comenta num de seus artigos que

 

“a contribuição retórica da Bíblia à cultura ocidental que, no século XIX teve seu precursor em Chateaubriand, foi aprofundada em 1946 por Erich Auerbach e, em 1982, por Northrop Frye. Chateaubriand, já em 1800, discutia a contribuição retórica da Bíblia à arte literária. Na quinta parte do livro Le génie du Christianisme (1899), discorre sobre a bíblia e Homero; o escritor francês relaciona três estilos bíblicos. O primeiro deles seria o histórico “tal como o do Genesis, Deuterônimo e Jó” (306); o segundo é o da poesia sagrada dos salmos, profetas e tratados morais, enquanto o do terceiro é o estilo dos evangelhos. Mas a contribuição antecipadora de Chateaubriand é a de ter lembrado a relação inversa que se estabeleceu, na Bíblia, entre a simplicidade do discurso e a grandeza dos fatos narrados; muitos anos depois, Erich Auerbach ampliará esse aspecto em seu livro Mimesis, vendo-o como fator decisivo para a queda do tom retórico clássico.           O livro de Northrop Frye sobre o aproveitamento literário do texto bíblico – Le grand code: la bible et la littérature (1984)[2] – centra-se na contribuição retórica que o documento religioso faz ao imaginário ocidental. (op. cit. 03)

 

Além disso, a segunda parte final de sua produção, o poeta vai sofrer mais diretamente a influência dum kardecismo melhorado.

 

Nada nos poderá desligar à amálgama.

Porque o amor nos atrai e um par’outro nos chama. (“Amor”, op. cit. p. 19)

 

Segundo Cassiano Nunes ainda, parece-lhe que o poeta de Alagoas deve ser visto como um mero representante do espiritismo kardecista. Ele acreditou na onipotência da harmonia dos mundos. Não foi meramente anti-clericalismo, posição tão típica desse tempo no Brasil, que o levou a escrever em prosa o seguinte:

 

Contra o antropomorfismo de um deus-Trovão e dos semideuses de báculo e tiara, ergue-se o estandarte branco da Luz e da Igualdade Espiritual ante todos os invioláveis princípios Imutáveis da Natureza. (SABINO, apud NUNES, 1992 p. 20)

 

Sabino Romariz é um tanto quanto otimista em sua concepção evolucionista não-ateu, mas teocêntrico.

 

“É preciso que tudo em matéria transmigre, que o Cosmos evolua”.  (“Em Alma”, op. cit. p. 125)

 

Ao contrário do paraíbano materialista, autor de Eu, Augusto dos Anjos, a presença de Deus é constante na poesia de Romariz, que chega até a parecer um panteísta em:

 

“eu fico a meditar, impassível e mudo, / a ver Deus n’alma e a ver Deus através de tudo.”  (“Toque D’Alva”, op. cit. p. 21)

 

No belo poema Minha Estrela, poema messiânico, posteriormente musicado, o poeta expressa essa visão comovente e romântica do artista, a ilusão romântica do poeta sentir-se semi-deus; uma espécie de beleza que sobrevive das ruínas, qual Baudelaire em Paris, melancólico ante ao advento da modernização, que excluía intelectuais e menos favorecidos. Uma das obras-primas do poeta:

 

Sou pobre de afetos, órfão de carinhos/Não tenho amor sequer de ninguém/Eu tenho uma estrela radiante de artista/Eu tenho uma glória que muitos não têm. (“Minha Estrela”, op. cit. p. 22)

 

Há também uma persuasão pelo sentimentalismo, o comover pelo patético, que foi uma reação do subjetivismo à objetividade clássica mais contida; categoria relevante na literatura e arte ocidentais, que colocava em primeiro plano a pessoalidade do sujeito, com suas contradições, misérias e grandezas. E essa tendência teve no modelo cristão uma referência, em que a paixão e morte do homem Cristo, com sua trajetória de altos e baixos, que culminou com a sua ressurreição, motivou esse movimento de queda e saltos, sem linearidade, tão humano, pois, contraditório.  A queda e o pecado talvez tenham sido imagens que mais essa tradição, judaico-cristã influenciou. Poder-se-ia até dizer que essa dignidade atribuída ao sofrimento foi um valor dessa tradição de que a arte se apropriou de forma intensa.

Há dois poemas longos do autor em que neles há, nitidamente, a admiração pelas teses científicas e kardecistas, uma crença inabalável no destino humano, onde funde valores religiosos e históricos, imagens cristãs e gregas; onde líderes como Napoleão Bonaparte, discorrendo sobre o antropocentrismo, em que guarda apesar das distinções de pátria e de credo certa unidade: a sobrevivência do espírito, além da influência judaico-cristã embutida como conteúdo imaterial simbolista direta, indiretamente em sua poesia, a exemplo:

 

E vi-te no calvário em cima duma cruz

Olhar nos céus, o corpo em sangue, os membros nus. (“Homem”, op. cit. p. 113)

 

Havemos de convir que Romariz, como outros brasileiros, outrossim sofrera outras influências, até que levemente do parnasianismo, quando entra em convergência com muitas outras, estrangeiras,  e presta, no entanto, preito à Grécia pagã, fazendo pensar no helenismo de Raul de Leoni:

 

Nem te lembravas mais do copo de cicuta/ que na Grécia bebeste.

E a Grécia te bendiz/ na tua doutrina imortal e feliz. (“Homem”, op. cit. p. 114)

 

Sabino mantém domínio de linguagem poética; mais comunicativo nos poemas mais curtos, conferindo assim um ritmo mais rápido nele. Aristóteles chamava essa qualidade literária de adequação e coesão e o escritor peruano Mario Vargas Llosa chamou de necessidade, sem deixar de utilizar o termo coesão, como significado interno, ou os vasos comunicantes de uma obra de arte, em que cada parte é importante em relação ao todo. Mais longo nos poemas bíblicos, discutindo verdades bíblicas ou históricas; lentos, propícios à reflexão, como na música: nos ritmos rápidos os mais alegres, nos mais lentos, ou mais tristes. Sai-se tão bem quanto Renoir com seus pincéis na pintura, dominando o verso com habilidade e tranquilidade, num verdadeiro ir-e-vir filosófico, onde o artista e sua obra renovam-se a cada dia, fugindo dos estereótipos, de lugares-comuns. Qual Telêmaco, na Odisséia de Ulisses, a dizer à mãe que “quanto mais se canta, mais novo se torna o cantar”.

Defender academicamente Sabino Romariz, nosso poeta-maior além de ser uma honra para mim, num contexto histórico em que comemoramos o centenário de sua morte, momento histórico para Penedo, para Alagoas e para o Brasil, foi/é algo de extremo labor intelectual, bem como de incomensurável prazer, não só pelo fato de estudar e pesquisar um dos pilares da poesia alagoana do século XIX, bem como um resgate de nossos valores do passado, num flashback ou rememorização relevantes, na releitura de um dos poetas de linguagem e tino mais perspicazes de seu/de nosso tempo, como testemunha ocular de um passado glorioso, bem como alvo de uma contribuição para o presente histórico e para as gerações futuras, para uma posteridade que virá com certeza e que precisa indubitavelmente e interminavelmente do estudo profundo de sua/de nossa história, além do conhecimento/reconhecimento de um legado deixado por homens que, incansáveis, heróicos, bravamente construíram, como ele e outros, sangrando, sua/nossa história pelos caminhos e descaminhos da Literatura, como meio de reconstrução de sua felicidade por meio de seus abismos, labirintos literários… As veredas íngremes, sinuosas do mundo das letras.

 

SABINO ROMARIZ – A ESTRELA MAIOR DO PENEDO

 

Prezados senhores (as),

 

O que nos interessa com esse árduo, dedicado trabalho é que em nome de uma coletividade e de um legado deixado às gerações presentes e futuras, à posteridade que indubitavelmente virá, sejamos resistentes, à tentativa do resgate de sua obra, ante o pouco do que lhe foi salvo em busca de sua produção artística pelos Brasis espalhada, e que deve ser, de uma forma ou de outra, não somente resgatada, como transmutada em objeto de estudo acadêmico; e que, outrossim façamos uma avaliação e até uma reavaliação, bem como uma apologia honesta, justa e sensata de tal legado cultural-histórico-poético.

Sabino Romariz é, sem dúvida, um dos mais inspirados e fecundos poetas que foi gerado pelo burgo alagoano. Foi graças ao poeta que Penedo, considerada há muito como “o berço da cultura alagoana”, viu, no acender de lamparinas deste século que passou, (limiar do século XX) a intelectualidade exaltar nossa poesia alagoana, graças à pena de Sabino Romariz, poeta que ora desejo não só fazer apologia, rememorizar, bem como pesquisar sua obra, no intuito de deixar-lhe a memória cada vez mais nítida e viva. Graças a ele, não somente Penedo, como Alagoas como um todo, havia, nos rincões por esses Brasis afora, conquistado um lugar definitivo no Parnaso. E agora, transcorridos cem anos de seu desaparecimento, urge pesquisá-lo. Portanto, há inumeráveis motivos para tal, uma vez que se faz mister fazer exaustivas pesquisas, como prova de amor e de reconhecimento não só à arte alagoana, mas como um justo resgate daquilo que a fogueira e o esquecimento trataram de relegar a um segundo plano: nosso maior patrimônio: nossa herança cultural.

Portanto, não se trata somente do resgate de uma biografia, bem como da reconstrução de um patrimônio histórico e literário de relevância considerável. Afinal de contas, trata-se de um vate que, em seu tempo destacou-se de modos a granjear aplausos e a apologia de nomes renomados da literatura brasileira como Coelho Neto, José do Patrocínio, Olavo Bilac, Guimarães Passos, dentre outros intelectuais e artistas consagrados, que deixaram como legado cultural e literário, sua obra cristalizada para a posteridade não só de agora como de incontáveis dias futuros; além de elogios de seus conterrâneos, não só coetâneos como os de sempre, amantes da boa literatura e da boa arte brasileiras. Muito Obrigado.

 

7. Referências Bibliográficas

 

01. A – LIVROS: ARAUJO, Vera Lúcia Romariz Correia de. Palavras de deuses, Memória de Homens; Diálogo de Culturas na Ficção de Adonias Filho. Maceió: EDUFAL, 2000.

02. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso, Rio de Janeiro, Brasiliense, 2004.

03. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

03. NUNES, Cassiano. Seleção e Prefácio. Poesias Escolhidas, Sabino Romariz, Coleção Elysio de Carvalho, Casa do Penedo, Penedo – AL, 1992.

04.  AVELAR, Romeu de. Coletânea de Poetas Alagoanos. Maceió, Gráfica Editora Livro S.A., 1959.

05.  BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1983 -1902. 7v.

06.  CERES, Heliônia. Sabino Romariz: Vida e Obra. Maceió, Secretaria de Estado da Educação de Alagoas. Departamento de Assuntos Culturais, 1984.

07.  FREIRE. Laudelino. Sonetos Brasileiros: Coletânea Século XVII-XX. Rio de Janeiro, F. Briguiet, 1913.

08.  MARROQUIM, Adalberto. Terra das Alagoas. Roma: Maglione & Strini, 1922.

09.  MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978. v. 5 – 1897-1914.

10.  MENDONÇA, José Romariz – O Vate: Oração à Mocidade Penedense. Penedo: O Lutador, 1924.

11. MENEZES, Raimundo de. Dicionário Literário Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.

12.  MÉRO, Ernani. Perfil. Maceió, SECON, 1986.

13. MURICY, Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. 2. ed. Brasília; Conselho Federal de Cultura, 1973.2v.

14. ROMARIZ, Sabino. As DuasRosas. Penedo. O lutador. 1907.

15. _________________. Ignis. Penedo: O Nacional, 1908.

16. _________________. Lamma Sabactani. Penedo: s.n., 1903.

17. _________________. Mea Culpa. Penedo: Oficinas Artes Gráficas, 1910.

18. ________________ Toque D’Alva. Lisboa: Tipografia do Anuário Comercial,

19. B – PERIÓDICOS: JUCÁ, Santos. Sabino Romariz: A Poesia de Uma Época. (Revista) Mocidade, v. 9, n. 37-8, jun./jul. 1957.

20.C –  JORNAIS:. O ALAGOANO, Penedo, 21 de jun. 1908.

______________, Penedo, 19 de jun. 1908./______________, Penedo, 23 de jul. 1908/______________, Penedo, 06 de set. 1908./______________, Penedo, 27 de set. 1908./CORREIO DE MACEIÓ *, Maceió, 24 de jan. 1908./______________, Maceió, 5 mar. 1908./______________, Maceió, 15 abr. 1908./______________, Maceió, 24 abr. 1908./______________, Maceió, 28 abr. 1908/______________, Maceió, 30 abr./ 01 de mai. 1908.

[1] Não desconhecemos a importância dos manuscritos do Mar Morto – descobertos em 1947 –, que revisam as relações entre o Judaísmo e o Cristianismo e rediscutem a figura histórica de Cristo. Julgamos, no entanto, que para integrarem a tradição serão necessários anos de contato com os povos envolvidos e análises acuradas.
[2] O livro de Frye, ainda sem tradução em língua portuguesa, privilegia o nível retórico em detrimento das condições histórico-sociais; na obra de Erich Auerbach – Mimesis, inverte-se a perspectiva, aparecendo o nível retórico como expressão do contexto sócio-histórico que subsidia as narrativas literárias, bíblicas e historiográficas. Neste trabalho, utilizamos a tradução francesa, de 1984.

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