Livros

“Do pitoresco ao universal: a paisagem humana de um contador de estórias”

Vera Romariz (poeta e crítica literária)

O escritor Luciano Rocha nos premia com este livro de narrativas curtas, saborosas e inteligentes. Nos vinte e cinco contos da obra, emerge uma técnica reiterada
em todo o livro: é uma formulação pitoresca de tipos humanos que dominam o espaço da narrativa, adensando o locus do personagem em relação às outras categorias como tempo, espaço e enredo. As figuras humanas dominam sua cena.
Já se disse que o que caracteriza a ficção em prosa é a existência de um narrador que conta uma fábula. Nesse sentido, o contador de estórias Luciano, autor, valoriza sua prosa contando-nos, através da voz do narrador onisciente, fatos e feitos de seus heróis, para usar uma expressão similar à do narrador de Mário de Andrade, no final de Macunaíma. Mas quais heróis?
Alguns dos protagonistas dos contos constituem tipos populares, guardando uma relação de verossimilhança com tipos de cidadezinhas provincianas, de base rural, ou de subúrbios de cidades maiores. No conto “Naquela noite de Natal”, o narrador refere-se ao protagonista como “meio pateta e sem futuro”, o que inclui no projeto autoral a intenção, moderna, de dar voz aos pequenos social e culturalmente falando. Nessa linha, a personagem-título Das Graças é iluminada por uma irreverência a que não faltam toques de humor. Aí se ilumina o pitoresco, no sentido do particular.

Mas duas outras questões me surgem na leitura desta obra: a primeira delas é a que aponta de modo ínfimo, mas significativo, a desestruturação de uma personagem-título Maria Clara, bela e elegante, de estrato social refinado, que enlouquece na trama delicada. E a voz do narrador ora a mostra como sonhadora, ora é cúmplice de sua humanidade, condoendo-se com sua desarticulação. E diz que: “se já era sonhadora […] no tempo de lucidez […] Credo! Desmantelou o juízo.” (op.cit.). A questão do
desrespeito ao mundo da loucura por pessoas do lugar é criticada pela voz do narrador, que associa com sutileza o não limite do estado onírico ao da loucura. Há certo tom de fechamento e de angústia nesse conto que o aproxima da bela narrativa “Os ratos”, metáfora da negatividade e escuridão humanas. E aqui, em contraponto, se ilumina o
universal.

Enfim, a segunda e última questão é um adensamento do enredo, via trama, que ocorre quando o narrador dá voz a um personagem que conta uma outra estória, dentro da narração principal. Uma espécie de personagem fazendo-se às vezes de narrador secundário, dentro do conto “Compensa o crime?”.
Por tudo isso, e por mais outras coisas, mando abraço, carinho e minhas palavras de incentivo ao amigo e bom escritor que ora nos delicia, contando suas (nossas) estórias.

 

Aguardem! Em breve você poderá acessar o conteúdo do livro.